sábado, 1 de abril de 2017

Refletindo sobre as falsas verdades.

Olá caro leitor, neste primeiro de abril, dia em que foi absorvida a tradição do April fools' Day no Brasil como Dia da Mentira nós brasileiros que conhecemos bem essa ferramenta, seja fazendo uso dela ou sendo alvo da mesma, em todas as esferas sociais e ocasiões possíveis, nos divertimos com brincadeiras apenas pelo breve prazer inocente ou não de enganar alguém.

Ironicamente a mentira, e ser mentiroso, entre muitos Heathens é visto como algo desonesto e pouco apreciado, uma questão que não é fruto recente no nosso meio, ela permeia as várias ramificações do paganismo nórdico e remonta desde os tempos em que os sábios escreviam nas sagas conselhos sobre o como as falsas palavras e os comportamentos dúbios poderiam prejudicar o friðr de um indivíduo ou de uma família ou mesmo uma tribo, mas toda moeda tem dois lados.

Não nos é desconhecido que em mais de uma história é a astúcia, o disfarce, o engodo e a mentira que salvam as divindades se situações complexas ou as fazem alcançar seus objetivos. Podemos lembrar de Óðinn em seus vários disfarces para andar entre homens e visitar as terras dos Jötnar (Gigantes), como ocorro no debate entre o Deus Caolho se passa por Gagnráðr e busca obter informações de Vafþrúðnir em Vafþrúðnismál na Edda Poética. Em outra história sabemos como ele  assumindo o disfarce de Bölverk, engana o fazendeiro Baugi, irmão de Suttungr, para ter acesso ao a montanha onde está o hidromel poético que Suttungr guardava para si, na mesma história novamente Óðinn se deita com Gunnlöd e rouba dela o hidromel que ela guardava fugindo na forma de uma águia.

Temos também o poderoso deus Þórr que, apesar de não ser conhecido por sua inteligência ou sagacidade ou mesmo paciência, em Alvíssmál engana o anão Alvíss em um confronto de sabedoria onde o preço a mão da filha do Deus do Trovão, possivelmente se tratando de Þrúðr. Confronto este que se desenrola até o amanhecer e impede que o pobre anão consiga se casar com ela pelo mesmo se tornar pedra após a luz do sol tocá-lo ao amanhecer.

E temos Loki é claro, que despensa comentários e que erroneamente algumas pessoas atribuem o primeiro de Abril a ele. Muitas vezes ajudando as divindades de Ásgarðr com suas mentiras e trapaças e por outras vezes as complicando com seus atos de motivações escusas, Loki é de longe considerado o maior mentiroso e trapaceiro entre os Deuses e talvez até entre todas as criaturas de Yggdrasil. Ironicamente até Loki é trapaceado nas histórias por outro Loki, fato muito pouco lembrado...

No Gylfaginning presente na Edda prosaica Loki esta acompanhando Þórr que também é acompanhado por seu escravo e companheiro Þjálfi, irmão de Röskva, e os três se dirigem para as terras de Útgarðr onde no caminho ao pararem para descansar dormem na luva de um Jötunn chamado Skrýmir, Útgarða-Loki disfarçado, que depois de roubar a comida de Þórr é atacado em seu sono pelo furioso deus sem muito sucesso, pois o mesmo os iludiu se escondendo atrás de uma montanha. Seguindo frustrados e chegando na fortaleza de Útgarða-Loki eles se deparam como uma série de desafios aparentemente impossíveis de serem vencidos mas que ridicularizam os viajantes. Nessa história Þórr não consegue terminar de beber um chifre por ele estar ligado ao mar, não consegue erguer um gato pelo gato ser a serpente Jörmungandr e não consegue vencer uma idosa chamada Elli em uma briga pela mesma ser a própria velhice. Loki nada percebe e não consegue comer mais do que seu rival Logi que é a personificação do fogo e por fim Þjálfi que perder três vezes uma corrida contra alguém chamado Hugi, a personificação do pensamento. Mas mesmo com as derrotas Útgarða-Loki deixa eles partirem por ficar abismado com a determinação de cada um e a força de Þórr.

Então mesmo o mais esperto e mentiroso de todos, pode e foi enganado, ou como popularmente sabemos: "O problema de todo malandro é achar que ninguém é mais malandro do que ele". Tendo levantado essas histórias e reflexões fica mais claro que nem sempre a mentira é uma ferramenta descartável, muitas vezes se provando uma arma afiada que se usada com sagacidade consegue muito mais que uma espada, por mais nobre que não pareça ser essa arma. Sabedoria e esperteza devem permanecer próximas tal como os "irmãos" Óðinn e Loki. Então mesmo aquilo que pode não parecer louvável e nobre e honrado uma hora, em outra pode se tornar vital mesmo para manter o seu friðr.

Afinal como é dito no próprio Hávamál 42: 

"Vin sínum
skal maðr vinr vera
ok gjalda gjǫf við gjǫf
hlátr við hlátri
skyli hǫlðar taka
en lausung við lygi"

"Para seu amigo
um homem deve ser um amigo
e retribuir um presente com um presente.
Um riso com um riso
os homens devem se valer
e falsidade por uma mentira."

Ficam essas reflexões e espero que possa ter acrescentado de alguma forma, e nesse primeiro de Abril informo que vou retomar as atividades do Blog, talvez não semanalmente, mas na medida do possível, tendo em vista as inúmeras mudanças que Loki trouxe para a minha vida e as quais sou grato, tanto em vantagens quanto em adversidades. A todos um ótimo 1º de Abril e um ótimo fim de semana. Far Vel!

- Heiðið Hjarta.