sexta-feira, 8 de abril de 2016

Entendendo o que somos - Hamr e Athem.

Boa tarde nobres visitantes, a pouco tempo foi publicado um texto abordando sobre a composição do corpo dentro do paradigma da espiritualidade heathen, pois bem, vamos começar a entender melhor separadamente essa composição. Tal estudo se faz necessário pois ele amplia a sua percepção de mundo e com isso também aumenta suas possibilidades de interação e entendimento com esse mundo permitindo assim experiências valiosas que venham a adicionar em seu caminho, que antes poderiam passar desapercebidas ou sem o devido entendimento. Essa informação também é útil para aqueles que se interessam por um contato prático com a magia escandinava, mas sempre vale ressaltar que apesar da popularidade pelo interesse em práticas de magia, nem todos os indivíduos tinham inclinação ou sequer tempo para isso. Numa sociedade tão pragmática tais assuntos apesar de terem seu devido espaço junto a sociedade, as vezes à margem dela até, não eram o cerne do dia a dia dos camponeses, guerreiros e nobres, uma fazenda não se planta com magia, logo você não tem obrigação de praticá -la se não tiver o interesse.

A composição apresentada no Texto, não o texto em si, Hamr - Mapeamento da Alma foi em parte desenvolvida pelo ocultista e runologista Stephen Edred Flowers (de pseudônimo Edred Thorsson), que apesar de sua grande contribuição através de suas pesquisas tomou caminhos diferentes da religião com o decorrer do tempo e o avanço de seus estudos tendendo mais ao ocultismo do que a fé.

O mapeamento que ele faz do corpo é apresentado em seu livro A book of Troth capítulo 17 onde apresenta um diagrama da alma. Este mesmo trabalho foi replicado, e não apenas esta parte, no livro que muitos tiveram ou terão contato de Mirella Faur em seu Mistérios Nórdicos, publicação que é alvo de críticas por muitos leitores pela quantidade excessiva da opinião pessoal que a autora deposita sobre a própria produção acadêmica através de sua visão de mundo, chegando a deturpar algumas interpretações e misturar procedimentos wiccanos com a fé nórdica. Em que pese isso, ainda é uma porta de entrada para muitos, afinal ninguém nasce sabendo tudo e aprender a peneirar faz parte do caminho.

É interessante ressaltar também que apesar dos termos específicos a mecânica de várias partes que compõem o complexo espirito-material não é exclusiva do paganismo germânico ou escandinavo, vários povos do mundo possuem entendimento similar em vários pontos com suas devidas divergências, quase como aquelas similaridades que observamos sobre construções de pirâmides ao redor do mundo, a mesma lenda em várias culturas com ligeiras alterações, etc. E isso se dá por um fato que posso entender que ultrapassa a barreira da nossa fé, afinal ainda que existam seus vários reinos e o devido direcionamento dos espíritos, o mundo espiritual ainda é um só assim como o mundo material (não entremos na metafísica dos universos paralelos, rs).

A ideia de algo mais complexo e útil que um corpo e uma alma, nos é estranho graças a séculos de imposição da crença católica cristã e suas subsequentes reformas sobre o ocidente, que limita nosso entendimento dando ao ser humano breve e de vida única o mundo material e a recompensa ou a punição eterna no mundo espiritual. Porém nós sabemos que entre Miðgarðr e o Valhalla existem muito mais coisas que o hidromel e um skald podem explicar. Com uma visão de mundo espiritual mais complexa onde convivemos com nossas escolhas e as escolhas feitas antes de nós, onde convivemos com um culto e uma busca de contato com os ancestrais e onde somos cercados pelos mais variados tipos de entidades, em uma fé que não negava a existência de outros deuses, é de se esperar no mínimo que nós sejamos mais que um corpo e um espírito vestindo esse corpo.

Devemos entender que em termos que não estão no paganismo, você é um corpo físico que habita o plano material, um corpo astral que pode se projetar para fora de seu corpo físico e obter experiências no mundo que o cerca, um corpo mental que vai produzir e registrar informações, conhecimento e sentimentos e por fim um corpo espiritual que vai lidar tanto com as decisões de seus ancestrais, quanto as suas próprias decisões. E numa analogia básica, assim como um foguete espacial que vai deixando para trás partes de si para alcançar um objetivo, você também com o tempo vai deixar para trás seu corpo físico, seu corpo astral, um fantasma das suas memórias e levará consigo aquilo que aprendeu, aquilo que sentiu e aquilo que decidiu seja lá para onde você for depois das suas "estações" se esgotarem no plano material. Assim através desta analogia você percebe o quão mais complexo e completo você é, entendido isso vamos analisar as partes e suas interações.

No texto que publiquei é dado o conceito de que Hamr é a forma e Athem é o nosso duplo etéreo, porem este conceito está ligeiramente equivocado. Hamr (forma) é um termo que era atribuído sim a alma, cujo qual dentro de si existem outros vários elementos que serão explicados nas próximas postagens, mantendo o todo psíquico-espiritual coeso. Como a roupa de um astronauta essa matéria energética que você pode ter como o paralelo de uma forma de ectoplasma ou ainda um corpo astral é que nos permite ter experiências fora do corpo e até mesmo ser vista como uma aparição, podemos dizer que é o barco que mantem a tripulação junta. Dentro deste barco o Hamr vai conter a psique (Ferth) e suas divisões (Hügr, Münr e Móðr) e as subdivisões do Hügr (Angit e Sefa) e as subdivisões do Münr (Gemynd e o Orþanc) que estudaremos em postagens futuras. Este Hamr é de fato nosso corpo astral/ectoplasma, sendo acompanhado por um elemento externo chamado Fylgja, uma entidade que nos acompanha ligando nosso destino a nossa sorte e que sobrevive ao nosso ciclo de vida e morte, por vezes você encontrará o termo Fetch que nos remete ao folclore irlandês que trata de um duplo espectral de um ser vivo (como um ou fantasma ou um Doppelgänger de alguém).

No caso do Athem este é o sopro da vida, um dos presentes dado pelos Deuses no ato da criação da humanidade também de denominação Önð, pelo qual é mais conhecido. O princípio imprescindível que anima a vida, que liga o corpo material ao corpo espiritual, inexistente em mortos-vivos, equivalendo de certo modo ao fio de prata de outras tradições religiosas. O Athem é alimentado com as energias adquiridas no mundo material como aquilo que comemos, a água que bebemos e o ar que respiramos, sendo enviados ao corpo para a manter suas funções vitais. Quando o tempo no corpo se finda então a alma está livre para partir e deixar o corpo devolver através de sua decomposição aquilo que da terra um dia tomou, porém se o procedimento de ruptura entre o corpo físico e o Hamr falhar e o Athem não se dissolver então você terá o caso que pode vir a resultar em um Draugr (morto-vivo), por isso em casos suspeitos o melhor é queimar o cadáver, mas antes por favor certifique-se que que a pessoa está realmente morta, sem matá-la no processo, rs.

Bom ainda há muito mais para ser explorado sobre o complexo ser que somos e como as partes trabalham juntas, mas esta é a primeira parte e as explicações vão seguir na medida da disponibilidade. Trata-se de um tema cheio de detalhes e que deve ser digerido parcialmente para melhor entendimento. Espero que tenham gostado e se interessado mais pelo assunto, na próxima semana continuamos estudando a psique (Ferth). Far vel!

- Heiðið Hjarta.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Primeiro de Abril - Em dia com Loki e as meias verdades.

Bom dia nobre leitores, atendendo a pedidos e evitando uma catástrofe de desinformação generalizada e o que é pior nos dias de hoje... compartilhada, vamos deixar bem claro que o April Fools' Day (Nosso famoso e divertido Dia da Mentira) não é um dia ligado, dedicado ou qualquer outra coisa voltada a Loki (só se for na sua cabeça ai o problema não é meu), ainda que ele seja uma entidade divina que faça uso das suas meias verdades. A princípio uma reflexão sobre a data, ela tem sua origem em datas distintas mas falando em mundo ocidental temos a celebração Romana chamada Hilaria, comemorada no Equinócio de Primavera, em honra a Cybele (Magna Mater) a Grande Mãe dos Romanos, que na realidade originalmente não é romana, mas isso é um problema dos romanos.

Em algo mais próximo temos na idade média um desentendimento no cenário cívico-religioso francês. Nesta época ocorreu uma confusão na França durante o reinado de Carlos IX. Antes da adoção do calendário gregoriano o ano novo era celebrado no dia 25 de março na maior parte das cidades europeias, porém em algumas regiões da França se dava no dia 01 de Abril e era uma festividade que pegava a semana inteira (imagina só o caos se fizéssemos uma semana de mentiras ao invés de um dia). Com a adoção do calendário gregoriano o ano novo passava a ser dia 01 de janeiro porém a alteração não foi abraçada unanimemente pelo povo francês, que ao resistirem a mudança mantiveram a data de início do ano em 01 de abril. 

Logo para encerrar a confusão no ano de 1564 através do Édito de Roussillon o Rei Carlos IX da França determina que o ano novo francês se dá no primeiro dia de Janeiro de cada ano, mas a medida só foi aplicada em 1567. Foi então que os católicos que adotaram o calendário e a nova data, através de zombarias em meio a sociedade como convites para festas que não existiam e presentes que não visavam agradar os presenteados, humilhavam e depreciavam os demais franceses que resistiam a esta nova data, por fim ela foi gradativamente sendo abandonada como início do ano e o entendimento foi unificado para 01 de Janeiro.

Também se atribui uma ligação ao Festim dos Tolos (Feast of Fools - festum fatuorum, festum stultorum), datado da época medieval onde se dá brevemente poder, dignidade e impunidade aos de posição subordinada para fazerem zombarias dos de cargo elevado, por vezes como crítica social ou como mero entretenimento, obviamente nos remetendo a clássica figura do Bobo da Corte. 

Através dessas ideias alguns indivíduos que se identificam como Lokeanos (pessoas que têm forte afinidade com Loki, seja em uma faceta ou em todas de sua personalidade, seja seguindo o como uma divindade e sua divindade principal ou ainda representando parte de seu comportamento dentro da comunidade heathen pelos mais variados motivos) passaram a determinar este dia como um dia de reverência para Loki. Nos Estados Unidos onde a prática se iniciou quando a Ásatrú ganhou força por lá, eles associaram esse "feriado" americano a Loki, por meio de blót e zombarias, entretanto essa data não guarda nenhuma evidência histórica na sociedade heathen original, assim como outros ritos, crenças e práticas do Ásatrú também são coisa "recente". 

Então a princípio classificar esse dia para Loki é ilógico, a menos que isso venha de alguma convicção pessoal, mesmo porque ele não é o único a usar de meias verdades entre os deuses como é registrado nas Eddas. Por exemplo temos como outros "mentirosos" como Óðinn e seus disfarces, ou como no caso de Þórr e o anão Alvíss que tenta ter a mão da filha de Þórr em casamento mas acaba sendo enganado pelo mesmo. Astúcia e esperteza nem sempre devem ser confundidas com as típicas mentiras da sociedade latina, que careciam de fortes figuras de Trapaceiros que pudessem ensinar por meios menos "convencionais", ou ainda com uma moralidade frágil, a esperteza muito mais do que uma arma é também uma ferramenta de sobrevivência. Então um bom 1º de Abril ou dia da Mentira, abusem do humor mas usem a sabedoria e deixem o pobre Loki em paz ele já têm problemas demais. Far Vel!

- Heiðið Hjarta.