quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Tirando as pedras do caminho.

Caro leitor, bom dia e seja bem-vindo. O tema que vamos iniciar hoje é um assunto básico porém muitas vezes abordado de forma superficial ou sem a devida objetividade. Ao buscar uma religião as pessoas têm uma necessidade, em geral trata-se do aspecto social de estarem inseridas em um determinado grupo onde vão procurar por uma identificação através da similaridade de crenças, teorias e práticas e a busca pela paz de espírito, almejando tornar mais leve e dar um maior sentido a sua existência e a outras questões ao redor dela num mundo cada vez mais caótico, materialista, e artificial.

Quando estamos falando em Odinismo, Ásatrú e demais seguimentos menos populares por aqui estamos falando de rótulos, vertentes com as quais nos alinhamos na maioria dos seus pensamentos, ainda que instituições, kindreds e heathens individualmente venham divergir de terminologias, interpretações e desta ou daquela “regra”. Em parte isso ocorre pela liberdade que caracteriza o paganismo e também pelas agendas pessoais de kindreds e instituições divergirem ao buscar implantar seu ponto de vista através da divulgação de informação e no processo de formação do conhecimento de novos heathens.

Porém nesse universo de pensamentos e comportamentos que forma o paradigma daquele que procura se enquadrar numa religiosidade como a nossa, muitos pensamentos e comportamentos anteriores corrompem o caminho do heathen seja pela falta de informação ou seja pela má formação da sua opinião e consequentemente da sua visão sobre nossa fé.  Então tratemos dos equívocos mais comuns:

Da Descendência – Muito comum é o errôneo sentimento de dúvida sobre a viabilidade de uma pessoa descendente de povos não germanos e não escandinavos poder integrar nossa religião. Isso se dá em parte pelo forte, e não incorreto, pensamento de se honrar e lembrar daqueles que vieram antes de nós. Porém vamos lembrar que estamos falando de Miðgarðr e não só do continente Europeu (não suportaria a ideia de seguir deuses tão limitados), também vamos lembrar que a espécie humana descende do processo criativo das mesmas divindades, e não este ou aquele ramo étnico, e por fim lembre-se, mesmo entre os deuses muitos foram os casos de trocas, através de casamentos que resultaram em filhos, através da troca de cultura, da cooperação e dos conflitos. Logo são as divindades que devem te aceitar, não um fiscal de genética com problemas de auto estima de plantão.

Da Cultura – Muito esperado que as pessoas que sigam as divindades que foram presentes em uma determinada região deste mundo busquem entender e simpatizem ou se identifiquem com a cultura dos povos daquela região. Você não está puxando o saco de nenhum gringo por cultuar os mesmos deuses que os ancestrais deles cultuaram, mesmo porque devemos lembrar que você está resgatando uma fé que foi abandonada por boa parte dos descendentes daqueles que a cultuavam anteriormente e que atualmente, apenas parte deles, busca uma reaproximação com ela. Óbvio que isso não obriga você a SER um escandinavo, logo parabéns se você sabe e pode falar na língua que eles falavam, viver onde eles viviam, se vestir como eles se vestiam ou comer e beber o que eles comiam e bebiam, mas se não puder não se preocupe, entidades tão poderosas como os deuses não têm sua compreensão e alcance tão limitados como nós temos.

Da Desconstrução – Não adianta buscar por novas metas carregando as velhas pedras. Você vai ouvir muito o termo reconstrucionismo, a busca pela aproximação da forma como o mundo era entendido e de como as coisas eram praticadas pelos antigos heathens, mas vai ouvir pouco sobre desconstruir, para criar algo novo é preciso destruir o antigo, destrua-se. Muitos heathens buscaram esse caminho pelo menos em “terra brasilis” por uma aversão a imposição do cristianismo, seja ele protestante, católico ou ortodoxo em sua infância, fazendo com que a busca, normalmente iniciada na adolescência onde se rebelar e contestar é a regra, se torna comum a mudança de visões políticas e religiosas e muitos vão iniciar seu caminho para a nossa fé nessa época e amadurecer aos poucos. 

Porém, durante esse período é muito difícil fazer uma auto avaliação com a devida maturidade, difícil em qualquer época da vida, e a evolução do caminho majoritariamente se dará com conceitos morais e religiosos já pré-concebidos de experiências anteriores tais como bem e mal, um inferno e um paraíso, a servidão, medo e distância do mortal perante o divino, o isolamento do ser humano como algo distinto da natureza, a busca por vícios e virtudes e por fim um livro ou texto sagrado pra usar de base pra sua conduta ou para julgar o comportamento alheio. Por ser um tema extenso será melhor destrinchado em oportunidade futura. Mas em resumo tais pensamentos e comportamentos devem ser estudados, entendidos, desassociados e por fim extirpados do seu caminho e de si a menos que queira fazer um sincretismo – e eu pessoalmente não vejo muita vantagem em sincretismos religiosos, sejam no paganismo ou fora dele – entre a antiga religião que seguia e seu novo caminho, vivendo duas coisas distintas como se fossem uma só sem evoluir em nenhuma delas.

Do Friðr – Então você escolheu este caminho, mas por qual motivo? As religiões têm suas entidades, seus conhecimentos, seus entendimentos, mas o que essa tem a te oferecer que você busca? Bom, você já ouviu falar da iniciativa Friðr? Pois é, piada a parte, um dos elementos mais fundamentais em nosso meio é ignorado constantemente por aqueles que estão chegando, e por muitos que já estão entre nós a tempo também, e por conta disso muitos indivíduos em nosso meio acabam sendo fonte de conflito ao invés de Friðr. Apesar de ser um tema extenso vou tratá-lo de forma breve e futuramente será melhor debatido. Do inglês antigo Frith, a palavra se aproxima do conceito de paz, porém está muito longe do clássico pacifismo, de uma passividade ou mesmo de uma apatia. Um estado psicológico que te traz na maior parte do tempo uma combinação de alegria, lealdade e segurança, trata-se de um pensamento acompanhado por um comportamento, ambos verdadeiros e livres, onde se busca este estado harmônico, saudável e seguro junto ao seu kindred (se você fizer parte de um) e Amigos (não conforme a ideia de amigos do Facebook). Esse pensamento-comportamento também se replica ao relacionamento que ocorria/ocorre entre a lealdade do Povo para com seus Líderes e por fim do Povo com o mundo sagrado, o que envolve as Divindades, Ancestrais, Espíritos da Terra, etc, através do blót, das festividades comunitárias e principalmente do pensamento-comportamento promovendo esse sentimento de um estado livre, harmônico, saudável, amistoso e seguro, promovendo o Friðr. Resumindo não adianta trocar presentes em uma data do ano e trocar elogios, facadas, espadadas e machadadas no resto do ano.

Esses são aqueles que considero os principais pontos de conflito e confusão que um heathen no começo do seu caminho deve acabar por se defrontar e que sem uma auto avaliação e talvez um auxílio externo, possa a vir construir sobre si todo um paradigma de ilusões que pode ter como desfecho uma natural decepção e por fim abandono do caminho e talvez até indo a busca de outro caminho, então vamos clarear essa estrada e evitar tropeçar nessas pedras.

Alguns dos temas aqui serão abordados futuramente de forma mais detalhada conforme a necessidade. Espero que tenham gostado deste ponta pé inicial, críticas construtivas, sugestões e dúvidas são bem vindas no comentários e oportunamente poderei ler e responder se necessário. Agradeço a atenção de todos e semana que vem seguimos mais um passo, pois nossa caminhada é longa. Far vel!

Heiðið Hjarta.


4 comentários:

  1. Excelente texto! Gosto muito do argumento de lembrar as pessoas que Miðgarðr é todo o plano físico, e não só a Escandinávia. O blog tem alguma página no face, pra acompanharmos as postagens?

    Que continue inspirado nessa sua empreitada!

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    1. Obrigado pelo seu comentário dancruzf. No momento tenho feito uma divulgação na minha página pessoal do Facebook e no grupo Odinismo e Asatrú Brasil. As postagens são todas as quartas-feiras. Não pretendo fazer uma página por hora pois isso seria centralizar a informação e eu prefiro democratizar ela, tornar acessível, logo quem se interessar vai buscar acompanhar. Mas agradeço pela dica :)

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    2. Buscarei este grupo então, muito obrigado!

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  2. Sou uma Lokean também, com orgulho. Estou adorando este blog! Ótimos textos, parabéns.

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