quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Minha liberdade ou meu destino? Sobre Ørlög, Wyrd e Orthanc.

Boa tarde caros visitantes, hoje vamos abordar um tema importante através de uma tradução de um texto sobre os conceitos de Wyrd e Ørlög. Através dele entenderemos melhor o quanto do que nos cerca e ocorre em nossas vidas é Destino e o quanto é nossa pura vontade e liberdade, assim você vai poder entender melhor questões sobre se tudo está pré-determinado ou não e o que pode ser feito sobre isso. Com esse esclarecimento, questões simples como: só por que eu estou sem guarda-chuva está chovendo ou os deuses quiseram assim até o destino dos nossos atos e quanto crédito você dará ao Ragnarök vão estar mais claros para você.

"Os conceitos de wyrd e orlog estão interconectados, mas às vezes podem se provar ser obstáculos na medida em que seus significados são aprendidos. No paganismo nós não temos nenhum conceito absoluto sobre o destino de alguém, ao invés disso nós temos uma noção de que nosso destino ou ruína é composto por escolhas e um determinado destino acontecerá, nós também temos a habilidade de fazer outras escolhas para potencialmente mudar este destino. Para entender como o wyrd e o orlog estão ligados vamos explorar os significados dessas palavras.

O Dicionário Conciso de Etimologia Barnhart (Nt. The Barnhart Concise Dictionary of Etymology) nos dá um esclarecimento, vindo do Inglês Antigo o termo wyrd deriva de um termo do Germânico Comum * wurđíz. Wyrd tem um cognato em Saxão Antigo wurd, no Alto-alemão antigo wurt, e no Nórdico Antigo urðr. A raiz Proto - Indo - Europeia é *wert- “virar, rodar”, no Germânico Comum *wirþ- com um significado de “A acontecer, tornar-se, a ser devido” (também em weorþ, a noção de mérito “Worth” ambos em sentido de “preço, valor, montante a ser pago” e “honra, dignidade, estima devida”).

Essa é uma resposta complexa eu sei, mas é para ilustrar que esta palavra é altamente cheia de nuances. De forma mais simples podemos definir como nosso conceito nativo de Destino, e a raiz da palavra é também de onde vem a Divindade Urd, ela é uma das Nornas cuja fonte Urdabrunnr rega a Árvore-Mundo Yggdrasil.

As tecelãs da teia, as Nornas, são os poderes aos quais todos os Deuses e Deusas recorrem por sabedoria; isso pode ser demonstrado etimologicamente. Paul Bauschatz expande sobre nossa compreensão em eu Well and Tree, onde ele descreve a origem do nome de Urðr, o verbo verda que significa “virar” não é apenas a fonte do Alemão werden, mas do Alto Germânico Médio wirtel “roda roca, spindel (fuso em alemão) também”. Tecelagem e fiação de matérias têxteis podem facilmente se tornar um microcosmo num grande macrocosmo da tecelagem a teia da existência.  John Lindow vê que as Nornas foram muito associadas com fiação e controle do destino de uma pessoa, e nós sabemos que Urðabrunnr (Fonte de Urðr), enraizada na Árvore-Mundo, era onde os Deuses tinham seu lugar de justiça. Nós vemos essa conexão com a justiça nas entrelinhas ainda, como as origens etimológicas para a palavra versus (como em casos legais) também deriva da mesma família de palavras (vertere, Proto-Indo-Europeu wert).

Christy Ward, influenciado por outros trabalhos acadêmicos, nos diz que Ørlög é literalmente “ur” significando antigo ou primordial, e “lög” é lei: ørlög é a lei de como as coisas vão vir a ser, ditada pelo wyrd ou Destino pelas três Nornas. As Nornas Urðr (Aquilo que é), Verðandi (Aquilo se torna) e Skuld (Aquilo que deve tornar-se) são a personificação do wyrd.

As Nornas nos dão nosso ørlög, (ou as leis e absolutos de nosso destino), tanto quanto elas em conjunção conosco tecem o wyrd que está se tornando. O absoluto de nosso destinos são esses itens que não podem ser mudados, como quem são nossos pais biológicos, a situação e circunstância na qual nascemos. O passado sempre influência nosso presente e nosso futuro. Pense nisso desta forma, nós sabemos que há certas leis científicas e princípios que afetam todas as coisas, tal como a gravidade.

A gravidade pode ser encarada como uma espécie de ørlög. Enquanto a gravidade pode ditar que nós humanos devemos permanecer na terra, através de nossa engenhosidade construímos aviões, naves espaciais, etc, que podem deixar a terra e até mesmo a atmosfera. Estes itens ainda são afetados pela gravidade é claro, e a gravidade sempre exerce sua força e presença. Similarmente, é como DNA. DNA pode ser o ørlög que nos é dado, nós podemos ser muito suscetíveis a certos tipos de doença, mas se alguém sabe da nossa inclinação genética e a vulnerabilidade e tomar os cuidados necessários na vida para tentar evitá-las é possível, de fato, impedir tais coisas.

Mas enquanto wyrd é o nosso conceito de destino, ele também está mudando e não é absoluto. Nós podemos receber o ørlög, e então a partir de nossas escolhas e ações, e as escolhas e ações daqueles que nos rodeiam, nós conjuntamente podemos “tecer” o que nosso wyrd será.

Para melhor entender como ørlög e o wyrd estão interconectados, vamos pensar nisso como a tecelagem de uma tapeçaria. Quando se tece uma tapeçaria ou tapete, há regulamente fios espaçados que fluem todos em uma única direção (esses são chamados de linhas de urdidura). Essas linhas sempre existem. Elas são a base da fundação, ou se você preferir as regras. Essas linhas, como o ørlög, não podem ser alteradas.

Para criar o Padrão, para tecer verdadeiramente, alguém então pega fios conhecidos como trama que vão em perpendicular a estes outros fios. É a manipulação destes fios através das linhas da urdidura que nos dão o padrão. Sua trama muda de cores? Quantas linhas de urdidura que os fios de trama passam por cima, antes de passa-los por baixo? Etc.

Portanto, mesmo com ocorre na analogia da tecelagem, o ørlög permanece a estrutura ou a urdidura, e então nossas ações, e todos os outros fatores representam a trama, e através da combinação desses fatores que a wyrd é tecida."

Sobre o conjunto de ørlögs herdados por um indivíduo, damos a isso o nome de Orthanc (herança), mas quem gosta de Tolkien também chama uma torre em Isengard pelo mesmo nome. O Orthanc é essa somatória de ørlögs e atributos herdados de nossos ancestrais. São os ørlögs que independem de nossas escolhas, se você é saudável ou não, rico ou não, onde nasceu, qual nome te foi dado, bênçãos e maldições sobre tua linhagem, desavenças familiares antigas que te afetem atualmente. Além claro do nome que J. R. R. Tolkien deu a uma torre em Isengard. Bom deixarei o link do conteúdo original que na postagem ficou em itálico, espero que tenha sido uma leitura proveitosa e uma ótima semana. Far vel!

- Heiðið Hjarta

Texto original por: wyrddesigns.

Link da matéria: 

http://www.patheos.com/blogs/pantheon/2011/06/wyrd-designs-understanding-the-words-wyrd-and-orlog/

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Loki - Entre trapaças e tropeços (Revisado).

Bom dia nobres visitantes, dando início as revisões de meus próprios pensamentos e atualizando temas que foram há muito debatidos, começaremos por esta famigerada divindade, que alguns até a negam como tal, ele nomeia este blog e que muito me ensina neste caminho que trilho, falaremos de Loki. Uma figura que pode ser amada por alguns, vista como tudo que há de ruim entre os deuses por outros, como um herói ou um professor por uns, como um vilão ou um tolo por outros, como um ser sem sexo ou com todos os sexos e gostos sexuais possíveis por outros, agradando ou não duas coisas ele não é e nunca será, alguém que não seja digno de nota e irmão de Þórr.

Inicialmente devemos observar a natureza de Loki e isso nos ajudará a compreender muito de seu comportamento. Os Jötnar são desde o princípio da cosmogonia nórdica as forças antagônicas que impedem ou dificultam a imposição tanto da ordem quanto da prosperidade, porém através dos conflitos e das provações que as divindades de Ásgarðr passam, elas se aprimoram e também entendem as reais necessidades para o favorecimento desta ordem e prosperidade, desde a morte de Ymir, passando por apuros com Þjazi, Hrungnir, Þrymr e Útgarða-Loki apenas para citar alguns, porém sabemos bem que nem todos os Jötnar são inimigos dos Æsir, onde esta relação vai desde uma amizade até relacionamento que vem a misturar ambas as linhagens e podemos citar Skaði, Ægir, Járnsaxa, Gerðr e Jörð como exemplos claros.

Logo nada existe na natureza de Loki que o obrigue a ser um inimigo declarado dos Æsir, mesmo por eles deixarem que ele viva entre eles, assim como pouco o obriga a ser o mais confiável dos aliados e ai começamos a entender o ponto chave da natureza de Loki, que é estar fora do controle de qualquer Æsir, sendo tanto uma fonte de inúmeros problemas bem como de soluções para eles que tudo gostam de ter sob controle, pois são nas adversidades surgem as oportunidades para solucionar problemas e prosperar após suas resoluções.

Entendido isso buscamos através dos elementos que circundam Loki compreendê-lo melhor. Seu pai é Fárbauti "golpeador cruel" nome que indica uma natureza violenta de destrutiva típica de um Jötunn já sua mãe Laufey que tem o significado atribuído a folhas, mas também recebendo o nome de Nál significando espinho era tida como esguia e fraca, numa herança de elementos observamos que Loki apesar de aparentemente fraco e pequeno se comparado a outros Jötnar é um incômodo para muitas divindades e ele carrega em si, através de seus filhos com a giganta Angrboða sendo eles o lobo Fenrir, a senhora responsável pelo reino dos mortos que leva o mesmo nome Hel e a famosa serpente Jǫrmungandr o mesmo poder destrutivo que seu pai sugere. Ele também possui dois irmãos um chamado Helblindi, que por sinal é um dos nomes que se dá a Óðinn tanto no Gylfaginning quanto no Grímnismál além de Loki mesmo fala deste parentesco deles em Lokasenna, e outro irmão é chamado Býleistr e pouco se sabe dele. Entretanto é válido lembrar que das andanças de Óðinn pelo mundo quando acompanhado o costumava fazer na presença de Hœnir e Lóðurr e que foram estes três responsáveis pela criação da humanidade e não me resta dúvidas que Lóðurr e Loki são a mesma entidade, numa variação de nomes tais como Loptr ou o menos conhecido Hveðrungr.

Ele também se relaciona e nessa relação mantém uma estabilidade com Sigyn, com quem teve dois filhos Narfi e Váli, cujos quais não se descreve uma aparência inumana nos levando a entender que Sigyn não era uma giganta, quanto a sua natureza como uma Ásynjur (divindade feminina), ela é assim descrita por Snorri em uma adição tardia chamada Nafnaþulur que não faz parte das Eddas  que ele compilou originalmente no século XIII, porém ela também é mencionada, através de um kenning para se referir a Loki no poema Haustlöng do início do século X que narra os fatos do rapto de Iðunn e suas maçãs que garantem a juventude dos deuses, nos deixando uma lacuna sobre a natureza de Sigyn como uma Ásynjur. Fato interessante é que ao contrário de Loki, ela demonstra um comportamento de amor e lealdade, mesmo diante da maior adversidade de sua vida que é cuidar daquele que ela ama sendo aprisionado e torturado pela morte de Baldur até o dia do suposto Ragnarok.

Outra característica ímpar de Loki, mas ligada a sua natureza como Jötunn é a capacidade de usar de ilusionismo e se metamorfosear em outros seres podendo inclusive trocar seu gênero e gerar uma cria a partir desta mudança, como ocorre no caso de Sleipnir quando Loki se torna uma égua para atrair o cavalo Svaðilfari para atrasar a construção dos muros de Ásgarðr, fazendo com que o construtor dos muros perca a aposta e em sua ira se revelasse um Jötunn para finalmente ser morto. Entre as várias formas que Loki adota através das histórias estão a de mosca, pulga, salmão, foca e égua, e nos seus disfarces onde ele não esconde o rosto e claramente faz os observadores o terem como mulher, o que pode ser interpretado tanto como ilusionismo como uma troca de sexo, isso pode ser observado tanto na Þrymskviða onde Þórr ao se disfarçar de mulher encobre seu rosto, porém Loki não, sendo que o rosto de Loki jé é conhecido pelo gigante Þrym nesta história e o mesmo não reconhece Loki se passando por dama de honra que acompanha Þórr disfarçado de Freyja, também temos o caso de Þökk a giganta que não lamenta pela morte de Baldur, mantendo o assim morto no reino de Hel, logo sobre a possibilidade da transexualidade de Loki só não vê quem não quer.

Não apenas nas questões de gênero Loki mostra um comportamento que ignora regras e padrões como também na forma em que lida com os Æsir. Inúmeras as vezes em que Loki está na presença das divindades e causa problemas a elas as expondo a riscos apenas para posteriormente vir com soluções que trouxeram maiores benefícios a um cenário que antes não haviam tais vantagens. Resumidamente podemos citar com exemplos como dito anteriormente a construção dos muros de Ásgarðr e o presente que Óðinn acabou por receber sendo ele Sleipnir, de quando cortou os cabelos de Sif e da sua aposta com os anões filhos de Ivaldi o resultado não foi só o cabelo de ouro de Sif, mas também rendeu para Freyr o Gullinbursti um javali dourado de guerra capaz de andar sobre o ar e a água e brilhar em qualquer lugar sombrio como se fosse o  próprio dia além o barco Skíðblaðnir que cabem todos os deuses e suas armas sempre encontrando bons ventos e alcançando o seu destino, para Óðinn renderam o famoso anel de ouro Draupnir que pode se multiplicar bem como sua certeira lança Gungnir, por fim e provavelmente o mais importante essa aposta rendeu a Þórr o maior medo de todos os Jötnar, seu mortal martelo Mjölnir.

Loki também é responsável pelo resgate de Iðunn e suas maçãs para manter a imortalidade das divindades e da perseguição eles conseguem matar o gigante Þjazi que o forçou a sequestrar Iðunn, decorrente disto a giganta Skaði após ser recompensada pela morte de seu pai deixa de ser uma inimiga dos Æsir. Loki também engana Þjálfi irmão Roskva em uma viagem onde ambos os irmão recebem Loki e Þórr e ao estarem famintos o deus do trovão faz com que suas cabras sirvam de refeição e ele possa revivê-las no dia seguinte, orientado por Loki o jovem Þjálfi quebra o osso da perna de uma delas para chupar o tutano do osso e no dia seguinte a mesma revive manca e Þórr irado exige uma recompensa que acaba sendo o próprio garoto e sua irmã se tornando servos dele.

Se de fato podemos falar dos comportamentos destrutivos de Loki estes se representam quando o mesmo inveja Baldur e planeja a sua morte e após matar um servo de Ægir o anfitrião da festa e insultar e revelar muitos segredos dos deuses perante uns aos outros ele terá um filho transformado em lobo e o outro morto e com as tripas dele será acorrentado e com uma serpente que despeja um veneno doloroso em seu rosto torturado até ser liberto e se vingar dos Æsir no Ragnarökk. Fora este episódio temos também o caso em que Loki se transforma em uma pulga para roubar o famoso colar Brísingamen dela e ele é perseguido por Heindallr que busca reaver o colar e devolver para Freyja, nessa perseguição tanto Loki quanto Heindallr tomam a forma de foca e Loki acaba por perder a batalha e devolver o colar, criando uma animosidade entre ambos que só seria resolvida no Ragnarökk onde ambos se matam. Existe uma versão deste conto em que ele está realizando este furto sob ordem de Óðinn, entretanto esta versão chamada Sörla þáttr que foi compilada por dois padres cristãos porém a versão é obviamente alterada e não corresponde aos comportamentos divinos. Mas assim como aparentemente não faz sentido Loki cortar o cabelo de Sif não faria muito sentido ele ter posse do Brísingamen, então fica a dúvida das intenção do ato dele.

Feita essa extensa análise da participação de dos laços que ligam Loki ao universo das divindades vamos ponderar o que segue. Ainda que haja uma série de conceitos como honra, ser ou não ser louvável e algo que se aproxime de um padrão do certo e do errado na sociedade nórdica pré-cristã de fato não falaríamos em bem ou mal, valores que vieram a se infiltrar nos contos e nas próprias pessoas posteriormente com o contato crescente com a religiosidade cristã, nas quais Loki se enquadra perfeitamente como um "lúcifer nórdico" o antagonista perfeito. Entretanto Loki representa a mudança pois é ele quem a propõem mais avidamente indiferente da vontade das demais divindades, ele também promove a mudança na vida das pessoas indiferente da vontade delas, e uma coisa deve ser bem esclarecida, aqueles que se consideram seus filhos, ou seguidores, ou aliados, ou servos ou seja lá como eles se denominem, nenhum deles está livre do caos, da mudança e da atenção especial e indesejada que Loki pode colocar sobre eles.

Obviamente que aqueles que entendem o que Loki propõem sofrem menos, aprendem mais e aproveitam melhor e "ajudam em seu trabalho", fora isso como costumo dizer, rezar para um furacão não fará ele desviar de rota. A partir do momento em que o caos passa a favorecer este ao invés daquele, ele deixa de ser o caos, não é Loki que te favorece, é você que aproveita ou não as oportunidades em meio as adversidades e nessa hora a sagacidade daquele que se diz filho de Loki é o que vai contar, assim como não se fazem heróis ou sagas em tempos pacíficos. Então faz teu nome jovem.

Outra coisa não menos importante, quando você fala de um ser livre, caótico, egoísta, não espere muita atenção dele, muito menos ser um escolhido ou campeão dele, as motivações de Loki como pode se observar são extremamente mutáveis e mesmo quando os fatos se concluem, aos nossos olhos eles parecem conclusos quando ainda podem fazer só parte de um esquema maior, uma vez que nada é necessariamente linear no comportamento e no pensamento dele, então também fica a dica para os lokeanos de plantão, ter uma mente aberta as possibilidades e uma rápida capacidade de se adaptar as situações e as dificuldades é uma das marcas dele. Pessoas quadradas não fazem o perfil.

Por fim, existe uma diferença entre ser seguido e ser respeitado e Loki merece todo o nosso respeito.

Espero ter elucidado algumas questões sobre ele, posso escrever parágrafos e parágrafos sobre ele e mesmo assim jamais se esgotaria o assunto, pois delimitar o Caos é insanidade e lembre-se:

Não se importe com o que Loki pensa, pois ele pouco se importa com o que os outros pensam, inclusive você. Far vel!

- Heiðið Hjarta.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Sobre o Freyfaxi e Hrafnkell Freysgoði.

O conto que segue é uma sinopse de uma saga em 20 capítulos que sintetiza a história de Hrafnkell Freysgoði e de seu cavalo Freyfaxi. Esse texto não se resume apenas a origem do nome do Blót do Freyfaxi, ele também traz uma reflexão sobre juramentos, weregild (indenização), orlog, orthanc, busca por poder, fé, aguardar a ajuda dos deuses e a lealdade dos humanos.

Acredito ser um texto simples e básico mas com potencial de reflexão, façam bom proveito.

Hrafnkels saga

Nós sabemos que o homem norueguês Hallfreðr que se tornou um dos colonos originais da Islândia, desembarcou na costa oeste em torno do ano 900 com seu jovem filho Hrafnkell, um garoto promissor. Hrafnkell era ambicioso e cedo – com a permissão de seu pai – estabeleceu seu próprio assentamento. Ele escolheu um vale inabitado para sua fazenda e a nomeou de Aðalból (Nobre lar). O vale subsequentemente recebeu o nome de Hrafnkelsdalr (Vale de Hrafnkell).

Hrafnkell também erigiu um largo templo e executava cerimonias de sacrifício prodigiosas. Ele dedicou o seu melhor gado a sua divindade patrona Freyr, inclusive seu cavalo favorito, Freyfaxi. Ele jurou que mataria qualquer um que montasse Freyfaxi sem permissão. Por suas atividades religiosas Hrafnkell começou a ser conhecido como Freysgoði (Goði de Freyr).

Hrafnkell ansiava por poder e logo se estabeleceu como chefe por assédio moral as pessoas dos vales vizinhos. Ele tinha uma propensão para duelos e nunca pagava weregild (indenização) por quem ele matasse.

Agora a saga introduz Einarr, um pastor de Hrafnkell. Em uma ocasião Einarr precisa cavalgar para executar seu dever, mas todos os cavalos dos quais ele se aproximava corriam dele exceto Freyfaxi. Ele então pega o Freyfaxi e o cavalga por um dia. Mas depois que o cavalo foi cavalgado, ele corre para Aðalból e o anoitecer chega. Ao ver seu cavalo sujo e molhado de suor, Hrafnkell entende o que ocorreu. Ele sai pela noite com seu machado e relutantemente mata Einarr para manter seu juramento.
O pai de Einnar, Þorbjörn, toma conhecimento da morte de seu filho e vai até Hrafnkell para pegar seu weregild. Hrafnkell diz a ele que não paga weregild a nenhum homem. Ele pensa, entretanto, que aquele assassinato está entre os piores que já fez e se prepara para fazer alguns reparos. Ele faz uma oferta aparentemente favorável para Þorbjörn de cuidar dele pelo resto de seus dias.

Þorbjörn, entretanto, quer nada menos que um acordo formal entre eles como iguais. Sob a rejeição de Hrafnkell, Þorbjörn começa a procurar por formas de alcançar a satisfação do seu desejo. As leis da Comonwealth Islandesa garantem que todos os homens livres têm os mesmo direitos – mas como não havia um poder central, um homem comum teria dificuldade em processar um chefe como Hrafnkell. Ele geralmente precisaria do suporte de outro chefe, tanto para a manobra legal complexa, muitas vezes necessária, e se bem sucedida na þing, para posteriormente fazer respeitar a decisão lá tomada.

Þorbjörn tenta ter suporte de seu irmão Bjarni, mas ele não deseja estar envolvido em qualquer conflito com o poderoso Hrafnkell. Þorbjörn vai em busca então do filho de Bjarni, Sámr. Ele, entretanto, adverte inicialmente para que Þorbjörn aceite a proposta de Hrafnkell, mas Þorbjörn se mantem firme. Sámr não tem desejo em entrar em conflito, mas após seu tio ficar deprimido ele relutantemente concorda. Sámr formalmente aceita o caso de Þorbjörn então ele se torna efetivamente o Demandante.

Sámr começa a preparar o caso contra Hrafnkell e o convoca para o Alþingi do próximo verão. Hrafnkell respeita a tentativa como risível. Quando Sámr e Þorbjörn chegam a assembleia em Þingvellir eles rapidamente descobrem que o maior dos chefes deseja ajuda-los. O deprimido Þorbjörn agora quer desistir, mas Sámr insiste que eles devem seguir não havendo outra opção.

Por uma coincidência Sámr e Þorbjörn encontram Þorkell, um jovem aventureiro de Vestfirðir (Fiordes do Oeste). Ele simpatiza com a causa deles e ajuda os a conseguir o suporte de seu irmão Þorgeirr, um poderoso chefe. Com o suporte de Þorgeirr Sámr dá procedência completa a causa. A lei tem Hrafnkell por culpado, e ele cavalga para seu lar em Aðalból. Sámr agora tem o direito de matar Hrafnkell e confiscar sua propriedade. Em uma manhã, Sámr, auxiliado por Þorgeirr e Þorkell, chega em Aðalból, surpreendendo e capturando Hrafnkell enquanto ele dormia.

Sámr oferece a Hrafnkell duas opções: primeiro execução no local; ou segundo viver como subordinado de Sámr, desprovido de sua honra e da maior parte de sua propriedade. Hrafnkell escolhe viver. Þorkell adverte Sámr que ele irá se arrepender de poupar a vida de Hrafnkell.

Sámr então toma como sua moradia em Aðalból e convida os locais para um festejo. Eles concordam em aceita-lo como seu novo chefe. Hafrnkell faz para si mesmo uma nova casa em outro vale. Seu espírito e ambição permanecem intactos, e pouco depois de alguns anos de trabalho duro ele se estabelece novamente como um fazendeiro respeitado.

Þorkell e Þorgeirr decidem entregar Freyfaxi ao seu verdadeiro dono e o arremessam de um penhasco. Eles também ateiam fogo ao templo de Hrafnkell. Ao ouvir estes acontecimentos Hrafnkell diz: Eu acho tolice ter fé nos deuses, e ele nunca mas fez outro sacrifício. Seus métodos mudam e ele se torna muito mais gentil com seus subordinados. E desta maneira ele ganha lealdade e popularidade.

Após seis anos de paz, Hrafnkell decide que a hora da vingança chegou. Ele recebe notícias do irmão de Sámr, Eyvindr, está viajando perto com pouca companhia. Ele pega seus próprios homens e parte em ataque. Sámr toma notícia da batalha e imediatamente cavalga em direção ao conflito para ajudar seu irmão com um pequeno contingente. Eles chegam tarde demais.

Na manhã seguinte Hrafnkell surpreende Sámr quando o mesmo dormia e oferece a ele as mesmas opções que foram dadas a Hrafnkell seis anos antes, com nenhum weregild pela morte de Eyvindr. Como Hrafnkell, Sámr também escolhe viver. Hrafnkell toma novamente residência em Aðalból, sua antiga casa, e volta a ser o chefe local.

Sámr cavalga para o oeste e procura o auxílio de Þorkell e Þorgeirr, mas eles dizem que ele deve amaldiçoar a si mesmo por seu infortúnio. Ele deveria ter matado Hrafnkell quando teve a chance. Ele não iriam ajudar Sámr em outro derramamento de sangue com Hrafnkell mas oferecem a ele uma residência em suas terras. Ele recusa e cavalga de volta a sua casa. Sámr vive como subordinado de Hrafnkell pelo resto dos seus dias e nunca alcança sua vingança.

Hrafnkell por sua vez, vive como um respeitado líder até encontrar um fim tranquilo, Seus filhos se tornam chefes após sua morte.

- Tradução livre: Heiðið Hjarta.

Pois bem, esta como muitas outras sagas nos mostram como as coisas eram resolvidas, como os valores eram diferentes e como o mundo mudou. Eu me interessei em apresentar este resumo da saga pois traduzi-la por completo seria um trabalho muito elaborado e demandaria muito tempo onde poderia dar acesso a outros assuntos para vocês. De qualquer forma, não deixa de ser menos interessante e talvez desperte em você a vontade por traduzir esta saga ou conhecer outras, fica a sugestão. Aqui temos uma noção do quanto querer ser ambicioso sem repartir a prosperidade alcançada pode ser prejudicial para si. Alguém muito gordo não corre de muitos lobos sozinho. Espero que tenham aproveitado, tenham um bom feriado por aqui e que as suas celebrações de Freyfaxi tragam prosperidade e sejam proveitosas. Far vel!

“ᚠ Feoh byþ frofur fira gehwylcum;
sceal ðeah manna gehwylc miclun hyt dælan
gif he wile for drihtne domes hleotan.”
(Anglo-Saxão)

A riqueza é um conforto para todos os homens;
Apesar de que todo homem deva concedê-la livremente;
Se ele deseja ganhar honra aos olhos do senhor.

“ᚠ Fé vældr frænda róge;
føðesk ulfr í skóge.” 
(Norueguês Antigo)

A Riqueza é a fonte da discórdia entre parentes;
 o lobo vive na floresta.

“ᚠ Fé er frænda róg
ok flæðar viti
ok grafseiðs gata
aurum fylkir.” 
(Islandês Antigo)

A Riqueza é a fonte da discussão entre parentes;
o fogo do mar; e o caminho da serpente.