sexta-feira, 4 de março de 2016

As Guerras de Midgarðr.

Bom dia nobre visitante, seguindo para a oitava postagem, dessa vez sairemos um pouco do acadêmico, mas retornaremos a ele ao final da postagem, vamos falar do cotidiano. 

Dado a um evento recente, mas diria nada inovador se não apenas recorrente, e dado o direcionamento que parte do heathenismo/paganismo tem seguido ao redor do mundo, farei uma reflexão sobre nossa senda espiritual e nossa atitude em relação aos demais caminhos que nãos nos pertencem ou que os mais sensatos não buscam trilhar. O texto não busca defender nenhuma orientação político-ideológica, uma vez que nossa fé não está ligada as atuais correntes de pensamento políticos, filosóficos e econômicos que compõem esse mundo pós-moderno e seus frágeis valores. 

O evento se refere a um boletim dominical de um Reverendo de uma Igreja Presbiteriana de culto do município de Barra do Piraí no estado do Rio de Janeiro – vulgo terra do biscoito, abraços aos amigos fluminenses e cariocas, além de um alerta aos grupos de patrulha xenófobos e racistas que vêm crescendo na Europa como o mais famoso Filhos de Odin (por qual motivo eles insistem em colocar chifres nos elmos?).

Batalhas em nossa fé existem desde a criação do mundo através da morte de Ymir até o último sopro de vida do último de nós ao deixarmos Midgarðr, conforme conta as bases de um eventual Ragnarök. Temos em nossa crença exemplos claros de conflitos entre clãs como a guerra Æsir-Vanir e a nada pacífica relação constante com os Jötnar, bem como também entre as mais diversas divindades, além da própria história dos povos que nos legaram essa crença espiritual, desde sua chegada nas terras da Europa, enfrentando a exemplo Celtas e o Império Romano, até as batalhas contra a cristianização da Escandinávia contra Olaf, o Gordo (Óláfr Tryggvason). Enfim uma continua história de longos tempos de guerra e curtos tempos de paz.

Atualmente vivemos num mundo onde os conflitos políticos, religiosos e comerciais fomentam constantemente a desgraça e a alienação, fazendo com que poucos prosperem, muitos cobicem e alguns oportunistas lucrem com esse abismo entre o que é desejado e o que é necessário. Por fim vivemos em uma sociedade em que o descontentamento é crescente e todas as partes que a compõem parecem não mais se suportar, estando num espectro geral com os nervos à flor da pele, tomando tudo por ofensa e condenando a atitude do próximo sem se quer saber quem é o próximo, se a atitude é real ou se quer qual foi sua motivação.

Logo com tal cenário nos rodeando, não seria sensato pedir a vocês que sejam pessoas pacifistas - Óðinn, Þórr, Týr e Freyja provavelmente pegariam meu couro e Loki não me ajudaria nessa - pois esse pacifismo além de não funcional a curto prazo e temeroso a longo prazo, não é algo para o qual nascemos. A vida é uma luta, no mínimo pela sobrevivência, por mais civilizado que seja o mundo, então no mínimo nascemos para lutar ao menos pelo nosso lugar no mundo. Logo a questão não é sobre não lutar, mas sim pelo que lutar e contra o que ou quem lutar.

“Com leis nossa terra deve ser construída e estabelecida, e com injustiça arruinada e devastada. (Njal's Saga, c.69)”

“Cada um é senhor de suas próprias palavras. (GS, C.19)”

Quando falamos sobre cometer equívocos e sobre a inevitável responsabilidade sobre os resultados desses equívocos, entendemos que é necessário punir aquele que perturbou a paz e a ordem em nosso meio. Não há perdão, o perdão é conviver com o peso do seu erro e através dessa reparação punitiva é que podemos tentar trazer novamente alguma paz ao ofendido em meio ao povo e dar a pessoa que cometeu o erro a chance de entender a gravidade de seus atos.

Entretanto as palavras de um representante de uma fé ou mesmo os preconceitos daquele indivíduo em relação aos demais que não fazem parte da sua fé, não pode ser pretexto para condenar o pensamento e o comportamento de todo um grupo. Assim como não atacamos roteiristas e fãs da Marvel por dar uma nova interpretação cultural das nossas divindades, ou aos Wiccanos por descaracterizarem algumas de nossas divindades através da sua forma de crer nelas através do seu dualismo Deus/Deusa, ou não condenamos a nós mesmos por infelizmente existirem neonazistas entre nós, não podemos condenar todos os cristãos pelo panfleto ofensivo deste ou daquele pastor, ele está vendendo o peixe dele para cristãos desinformados, não para você que está estudado, não se iguale.

“11. A mão que quer bater espera pouco. [1] (Njal's Saga, c.133)”

“18. As noites de sangue são as noites de maior impaciência. [3] (VGS, c.8) (VA, c.24)”

Muitas são as palavras de coragem em tempos de prosperidade, mas poucos são aqueles cujas ações correspondem às palavras corajosas em momentos de aflição.

Na era digital a informação é constante e dificilmente se tem tempo de avaliar a veracidade ou o conteúdo dela, quando há disposição para isso. Logo observadores superficiais se darão apenas ao trabalho de julgar o fato pelo seu ressumado título. Então está armado um tribunal virtual “muito elucidado” dos fatos, com todo o seu direito que têm herdado de eras de “nada” dizer se isso ou aquilo é errado e o que deveria ser feito. E ai morrem os fatos, muitos uivos, latidos e rosnados, nenhuma mordida. Incitar o ódio é gerar a ignorância e usar tal força para apenas julgar algo que é desconhecido é um desperdício de força sem tamanho, se acha que algo realmente está errado, resolva. Afinal assim como o pastor imoral que tenta converter o povo ao seu discurso sem sentir na necessidade de se prender as suas próprias palavras, tal ódio propagado entre os heathens é muita coragem quando não é necessário lidar com a adversidade de fato e menos ainda com as suas consequências.

“65. Não lute contra muitos. (VS, c.11)”

“66. Melhor lutar e cair do que viver sem esperança. (VS, c.12)”

Outro fato importante é que pela nossa religião estar sendo resgatada e reconstruída aos poucos há um tímido movimento em direção de integrá-la junto a sociedade, primeiro por não sermos adeptos do proselitismo e segundo por ser muito mais fácil e cômodo estudar, ler, debater do que colocar em prática tudo que é estudado, lido e debatido e não trazer esse conteúdo prático para o seu dia a dia na forma de atos e também para a junto da sociedade. Afinal parece que a boa e velha expressão “católico da boca pra fora” não é uma exclusividade dos católicos. Logo com uma casa ainda sendo arrumada, ainda desestruturada, desunida, sem o devido suporte aos que dela fazem parte, como reclamar algo contra alguém, como desejar guerra quando não se tem sequer um exército para lutar essa guerra? 

E necessário conviver com a realidade, fortalecer a nossa fé, aproximar os kindreds, dar apoio aos heathens que estão sem suporte, mas respeitar também aqueles que preferem a solidão, expor quem são os exotéricos mal intencionados que iludem as pessoas que buscam conhecimento e orientação espiritual, é necessário sempre estar alerta as pessoas e grupos que buscam distorcer o nosso caminho com seus ideais extremistas, segregacionistas e preconceituosos, como infelizmente tem ocorrido de maneira mais recorrente na Europa e nos EUA. É necessário dar a nossa fé um aspecto cultural visível em meio a sociedade e um aspecto unificado, é necessário essa união não só quando nos sentimos ofendidos, mas também quando precisamos ajudar uns dos outros, ninguém prospera sozinho. 

Nós temos mais de uma luta, devemos priorizar qual delas é mais importante para nós e para o nosso futuro e para o futuro dos que virão depois de nós. E por fim...

“230. O tolo se ocupa com as afazeres de todos menos com os seus próprios. (HS, c.14)”

Concluída essa reflexão, espero que tenha sido dado o recado. E aos que se preocupam demais conosco e que atrapalham nosso caminho, que não haja Friðr para eles e que Loki se divirta fazendo o caos na vida deles. Vamos fazer o que precisa ser feita, cada qual da melhor forma que souber fazê-lo.

As frases citadas nesta postagem fazem parte de uma coletânea de trechos de sabedoria inspiradas nas sagas islandesas.

O nome do texto é Sögumál e seu trabalho é atribuído a Álfta Óðinssen.

Aqui segue o Link direto de acesso ao texto (em inglês):


E aqui segue o site que é atribuída a fonte do texto rico em sagas e demais informações (em inglês):


Obrigado pelo seu tempo e interesse, façam bom proveito das reflexões de dos links. Tenham um ótimo fim de semana e até a próxima postagem. Far Vel!

- Heiðið Hjarta.

2 comentários:

  1. Ótimo texto!De meus poucos 4 para 5 anos de paganismo nórdico, não me recordo de ter visto um blog com um conteúdo tão amplo e bem redigido como este. Desejo sucesso para ti, e que tu leve a chama onde as sombras da ignorância reinarem.

    Far vel e Odhin Blessadur

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    1. Saulo, muito obrigado pelo seu feedback. O blog ainda está em desenvolvimento e críticas construtivas são bem vindas elogios e sugestões também :) E espero que não só você mas como qualquer outro visitante passe a sua tocha na mesma chama e ilumine outros lugares também. Eis o benefício da dúvida, procurar enxergar na escuridão. Abraço.

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