quarta-feira, 4 de maio de 2016

Entendendo o que somos - Ferth.

Bom dia nobres visitantes, após uma pausa que foi necessária por muitos motivos (fiquei sem computador, acidentei o joelho, tive que correr com outras coisas da minha vida, etc), vamos dar continuidade as postagens que visam explicar mais detalhadamente o conjunto de elementos que compõem o complexo corpo espiritual que temos dentro da visão do paganismo nórdico.

Na postagem anterior abordamos sobre o Hamr que é a forma energética, as vezes chamada ectoplásmica, nossa imagem astral que nos da um corpo permitindo as viagens e mantendo o complexo mental-espiritual coeso para essas experiências, e o Athem que liga o corpo ao nosso espírito como um cordão umbilical alimentando e distribuindo a energia necessária ao todo.

Agora vamos ao termo anglo-saxão denominado Ferth. Ele está contido no Harmr e corresponde aos elementos não físicos do complexo corpo-alma que nos compõem, exceto pela Fylgja (acompanhante), esta parte apesar nos seguir durante a vida pode viajar  para vários lugares enquanto ainda estamos vivos, não morre conosco quando nossa vida material se encerra, porém a Fylgja será estudada em momento futuro.

Ferth é a parte abstrata, o nosso todo psicológico que alguns até podem identificar em outras tradições como corpo mental, ele é composto pelas partes que dão suas principais funções a nossa mente sendo três essas divisões internas: a memória (ON Münr/ OE Mynd), o pensamento (ON Hügr/ OE Hyge) e as emoções (ON Móðr/ OE Mód). A Memória (Münr) se dividira em Gemynd e o Orþanc e o Pensamento (Hügr) por sua vez se dividirá em Angit, Sefa e Wit, que vamos abordar agora.

A Memória (Münr) executa a função de armazenar todas as informações, conhecimentos e experiências adquiridas por um indivíduo em sua mente, bem como informações, conhecimentos e as experiências passadas para ele através de seus parentes, ela é a ferramenta pela qual poderemos recorrer a um histórico de nossos feitos para nos ajudar a refletir sobre nossas ações em assuntos presentes e futuros. Dentro do Münr encontramos duas divisões Gemynd e Orþanc.

Gemynd, por vezes encontrará o termo por Min (OE Myne), engloba as memórias adquiridas no curso atual vida de um indivíduo, são memórias oriundas de experiências pessoais, é a parte da nossa alma que nos traz o conhecimento e a sabedoria daquilo que vivemos e aprendemos em nossa história.

Orþanc pode ser entendido como o pensamento primordial, serve como uma memória bem menos racional e bem mais profunda, pois não lida com as experiências absorvidas pelo indivíduo nesta vida corrente. Como uma herança, é a parte da memória que acessa os instintos, pensamentos inatos, memórias ancestrais, vindas de existências anteriores, seja do indivíduo ou de seus ancestrais, servindo como um pensamento tribal ou inconsciente coletivo. Essa parte da alma está ligada a Fylgja do indivíduo e ao seu Ørlög, os débitos e recompensas pelas decisões convertidas em ação ou mesmo omissão no passado, tanto individual quanto tribal, essa memória contém os feitos, aprendizados e erros dos parentes naturais, bem como dos parentes adotados ligados a Fylgja do indivíduo pelos laços tribais. Entendida a engrenagem das memórias vamos ao complexo do pensamento.

O Pensamento (Hügr) é a parte da nossa alma que é responsável por entrar em contato com o mundo que nos cerca e processar essa informação com o intuito de torná-la conhecimento e através das nossas experiências adquirir sabedoria, é a manifestação intelectual da nossa vontade, conduzindo nossas ações de forma racional e segura.

Angit (OE Andget) é a parte que permite a alma coletar as experiências ao redor do indivíduo emanadas pelo mundo que o cerca, podemos entender como os clássicos cinco sentidos, esses contatos vem de forma simples, nos permitindo processar esses pensamentos em informações através do Sefa. Se por um lado através dos sentidos temos a capacidade de perceber a realidade em elementos separados de forma que nos possibilita entender a realidade que nos cerca, por outro lado essa mesma simplicidade limita nosso entendimento do universo uma vez que essa experiência vem filtrada, nos tornando limitados em percepção porém funcionais na realidade.

Sefa é onde as experiências e pensamentos coletados pelo Angit são processados, lá ocorre a manipulação desse coletivo de pensamentos e experiências que por sua vez vem a se tornar informação que são utilizadas para a tomada de decisões na vida do indivíduo, resultando a aquisição de conhecimento ou sabedoria, é aqui onde a consciência trabalha.

Wit diferente do Angit não trabalha com as experiências imediatas do mundo externo que cercam o indivíduo, pelo contrário, ele busca dentro do indivíduo as memórias armazenadas no Gemynd e no Orþanc do mesmo e os leva até o Sefa para que tomem parte no processo de organização de ideias como ocorre na informação trazida pelo Angit.

Com isso concluímos a parte relacionada a mente racional, as formas de aquisição de informação, seu armazenamento e sua utilização dentro da alma através do complexo mental. Na próxima postagem vamos falar sobre a "contra-parte" do Hügr e seu pensamento lógico, que não é a memória (Münr), vamos nos aprofundar na parte que envolve os desejos, impulsos e sentimentos da alma, o lado ilógico, vamos estudar os elementos Mod, Wod e Will (vontade), sua finalidade e como atuam. Até a próxima postagem. Far vel!

- Heiðið Hjarta.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Entendendo o que somos - Hamr e Athem.

Boa tarde nobres visitantes, a pouco tempo foi publicado um texto abordando sobre a composição do corpo dentro do paradigma da espiritualidade heathen, pois bem, vamos começar a entender melhor separadamente essa composição. Tal estudo se faz necessário pois ele amplia a sua percepção de mundo e com isso também aumenta suas possibilidades de interação e entendimento com esse mundo permitindo assim experiências valiosas que venham a adicionar em seu caminho, que antes poderiam passar desapercebidas ou sem o devido entendimento. Essa informação também é útil para aqueles que se interessam por um contato prático com a magia escandinava, mas sempre vale ressaltar que apesar da popularidade pelo interesse em práticas de magia, nem todos os indivíduos tinham inclinação ou sequer tempo para isso. Numa sociedade tão pragmática tais assuntos apesar de terem seu devido espaço junto a sociedade, as vezes à margem dela até, não eram o cerne do dia a dia dos camponeses, guerreiros e nobres, uma fazenda não se planta com magia, logo você não tem obrigação de praticá -la se não tiver o interesse.

A composição apresentada no Texto, não o texto em si, Hamr - Mapeamento da Alma foi em parte desenvolvida pelo ocultista e runologista Stephen Edred Flowers (de pseudônimo Edred Thorsson), que apesar de sua grande contribuição através de suas pesquisas tomou caminhos diferentes da religião com o decorrer do tempo e o avanço de seus estudos tendendo mais ao ocultismo do que a fé.

O mapeamento que ele faz do corpo é apresentado em seu livro A book of Troth capítulo 17 onde apresenta um diagrama da alma. Este mesmo trabalho foi replicado, e não apenas esta parte, no livro que muitos tiveram ou terão contato de Mirella Faur em seu Mistérios Nórdicos, publicação que é alvo de críticas por muitos leitores pela quantidade excessiva da opinião pessoal que a autora deposita sobre a própria produção acadêmica através de sua visão de mundo, chegando a deturpar algumas interpretações e misturar procedimentos wiccanos com a fé nórdica. Em que pese isso, ainda é uma porta de entrada para muitos, afinal ninguém nasce sabendo tudo e aprender a peneirar faz parte do caminho.

É interessante ressaltar também que apesar dos termos específicos a mecânica de várias partes que compõem o complexo espirito-material não é exclusiva do paganismo germânico ou escandinavo, vários povos do mundo possuem entendimento similar em vários pontos com suas devidas divergências, quase como aquelas similaridades que observamos sobre construções de pirâmides ao redor do mundo, a mesma lenda em várias culturas com ligeiras alterações, etc. E isso se dá por um fato que posso entender que ultrapassa a barreira da nossa fé, afinal ainda que existam seus vários reinos e o devido direcionamento dos espíritos, o mundo espiritual ainda é um só assim como o mundo material (não entremos na metafísica dos universos paralelos, rs).

A ideia de algo mais complexo e útil que um corpo e uma alma, nos é estranho graças a séculos de imposição da crença católica cristã e suas subsequentes reformas sobre o ocidente, que limita nosso entendimento dando ao ser humano breve e de vida única o mundo material e a recompensa ou a punição eterna no mundo espiritual. Porém nós sabemos que entre Miðgarðr e o Valhalla existem muito mais coisas que o hidromel e um skald podem explicar. Com uma visão de mundo espiritual mais complexa onde convivemos com nossas escolhas e as escolhas feitas antes de nós, onde convivemos com um culto e uma busca de contato com os ancestrais e onde somos cercados pelos mais variados tipos de entidades, em uma fé que não negava a existência de outros deuses, é de se esperar no mínimo que nós sejamos mais que um corpo e um espírito vestindo esse corpo.

Devemos entender que em termos que não estão no paganismo, você é um corpo físico que habita o plano material, um corpo astral que pode se projetar para fora de seu corpo físico e obter experiências no mundo que o cerca, um corpo mental que vai produzir e registrar informações, conhecimento e sentimentos e por fim um corpo espiritual que vai lidar tanto com as decisões de seus ancestrais, quanto as suas próprias decisões. E numa analogia básica, assim como um foguete espacial que vai deixando para trás partes de si para alcançar um objetivo, você também com o tempo vai deixar para trás seu corpo físico, seu corpo astral, um fantasma das suas memórias e levará consigo aquilo que aprendeu, aquilo que sentiu e aquilo que decidiu seja lá para onde você for depois das suas "estações" se esgotarem no plano material. Assim através desta analogia você percebe o quão mais complexo e completo você é, entendido isso vamos analisar as partes e suas interações.

No texto que publiquei é dado o conceito de que Hamr é a forma e Athem é o nosso duplo etéreo, porem este conceito está ligeiramente equivocado. Hamr (forma) é um termo que era atribuído sim a alma, cujo qual dentro de si existem outros vários elementos que serão explicados nas próximas postagens, mantendo o todo psíquico-espiritual coeso. Como a roupa de um astronauta essa matéria energética que você pode ter como o paralelo de uma forma de ectoplasma ou ainda um corpo astral é que nos permite ter experiências fora do corpo e até mesmo ser vista como uma aparição, podemos dizer que é o barco que mantem a tripulação junta. Dentro deste barco o Hamr vai conter a psique (Ferth) e suas divisões (Hügr, Münr e Móðr) e as subdivisões do Hügr (Angit e Sefa) e as subdivisões do Münr (Gemynd e o Orþanc) que estudaremos em postagens futuras. Este Hamr é de fato nosso corpo astral/ectoplasma, sendo acompanhado por um elemento externo chamado Fylgja, uma entidade que nos acompanha ligando nosso destino a nossa sorte e que sobrevive ao nosso ciclo de vida e morte, por vezes você encontrará o termo Fetch que nos remete ao folclore irlandês que trata de um duplo espectral de um ser vivo (como um ou fantasma ou um Doppelgänger de alguém).

No caso do Athem este é o sopro da vida, um dos presentes dado pelos Deuses no ato da criação da humanidade também de denominação Önð, pelo qual é mais conhecido. O princípio imprescindível que anima a vida, que liga o corpo material ao corpo espiritual, inexistente em mortos-vivos, equivalendo de certo modo ao fio de prata de outras tradições religiosas. O Athem é alimentado com as energias adquiridas no mundo material como aquilo que comemos, a água que bebemos e o ar que respiramos, sendo enviados ao corpo para a manter suas funções vitais. Quando o tempo no corpo se finda então a alma está livre para partir e deixar o corpo devolver através de sua decomposição aquilo que da terra um dia tomou, porém se o procedimento de ruptura entre o corpo físico e o Hamr falhar e o Athem não se dissolver então você terá o caso que pode vir a resultar em um Draugr (morto-vivo), por isso em casos suspeitos o melhor é queimar o cadáver, mas antes por favor certifique-se que que a pessoa está realmente morta, sem matá-la no processo, rs.

Bom ainda há muito mais para ser explorado sobre o complexo ser que somos e como as partes trabalham juntas, mas esta é a primeira parte e as explicações vão seguir na medida da disponibilidade. Trata-se de um tema cheio de detalhes e que deve ser digerido parcialmente para melhor entendimento. Espero que tenham gostado e se interessado mais pelo assunto, na próxima semana continuamos estudando a psique (Ferth). Far vel!

- Heiðið Hjarta.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Primeiro de Abril - Em dia com Loki e as meias verdades.

Bom dia nobre leitores, atendendo a pedidos e evitando uma catástrofe de desinformação generalizada e o que é pior nos dias de hoje... compartilhada, vamos deixar bem claro que o April Fools' Day (Nosso famoso e divertido Dia da Mentira) não é um dia ligado, dedicado ou qualquer outra coisa voltada a Loki (só se for na sua cabeça ai o problema não é meu), ainda que ele seja uma entidade divina que faça uso das suas meias verdades. A princípio uma reflexão sobre a data, ela tem sua origem em datas distintas mas falando em mundo ocidental temos a celebração Romana chamada Hilaria, comemorada no Equinócio de Primavera, em honra a Cybele (Magna Mater) a Grande Mãe dos Romanos, que na realidade originalmente não é romana, mas isso é um problema dos romanos.

Em algo mais próximo temos na idade média um desentendimento no cenário cívico-religioso francês. Nesta época ocorreu uma confusão na França durante o reinado de Carlos IX. Antes da adoção do calendário gregoriano o ano novo era celebrado no dia 25 de março na maior parte das cidades europeias, porém em algumas regiões da França se dava no dia 01 de Abril e era uma festividade que pegava a semana inteira (imagina só o caos se fizéssemos uma semana de mentiras ao invés de um dia). Com a adoção do calendário gregoriano o ano novo passava a ser dia 01 de janeiro porém a alteração não foi abraçada unanimemente pelo povo francês, que ao resistirem a mudança mantiveram a data de início do ano em 01 de abril. 

Logo para encerrar a confusão no ano de 1564 através do Édito de Roussillon o Rei Carlos IX da França determina que o ano novo francês se dá no primeiro dia de Janeiro de cada ano, mas a medida só foi aplicada em 1567. Foi então que os católicos que adotaram o calendário e a nova data, através de zombarias em meio a sociedade como convites para festas que não existiam e presentes que não visavam agradar os presenteados, humilhavam e depreciavam os demais franceses que resistiam a esta nova data, por fim ela foi gradativamente sendo abandonada como início do ano e o entendimento foi unificado para 01 de Janeiro.

Também se atribui uma ligação ao Festim dos Tolos (Feast of Fools - festum fatuorum, festum stultorum), datado da época medieval onde se dá brevemente poder, dignidade e impunidade aos de posição subordinada para fazerem zombarias dos de cargo elevado, por vezes como crítica social ou como mero entretenimento, obviamente nos remetendo a clássica figura do Bobo da Corte. 

Através dessas ideias alguns indivíduos que se identificam como Lokeanos (pessoas que têm forte afinidade com Loki, seja em uma faceta ou em todas de sua personalidade, seja seguindo o como uma divindade e sua divindade principal ou ainda representando parte de seu comportamento dentro da comunidade heathen pelos mais variados motivos) passaram a determinar este dia como um dia de reverência para Loki. Nos Estados Unidos onde a prática se iniciou quando a Ásatrú ganhou força por lá, eles associaram esse "feriado" americano a Loki, por meio de blót e zombarias, entretanto essa data não guarda nenhuma evidência histórica na sociedade heathen original, assim como outros ritos, crenças e práticas do Ásatrú também são coisa "recente". 

Então a princípio classificar esse dia para Loki é ilógico, a menos que isso venha de alguma convicção pessoal, mesmo porque ele não é o único a usar de meias verdades entre os deuses como é registrado nas Eddas. Por exemplo temos como outros "mentirosos" como Óðinn e seus disfarces, ou como no caso de Þórr e o anão Alvíss que tenta ter a mão da filha de Þórr em casamento mas acaba sendo enganado pelo mesmo. Astúcia e esperteza nem sempre devem ser confundidas com as típicas mentiras da sociedade latina, que careciam de fortes figuras de Trapaceiros que pudessem ensinar por meios menos "convencionais", ou ainda com uma moralidade frágil, a esperteza muito mais do que uma arma é também uma ferramenta de sobrevivência. Então um bom 1º de Abril ou dia da Mentira, abusem do humor mas usem a sabedoria e deixem o pobre Loki em paz ele já têm problemas demais. Far Vel!

- Heiðið Hjarta.

sábado, 26 de março de 2016

Hamr – Mapeamento da Alma

Boa Tarde nobres leitores, o texto que segue já circulou por alguns blogs e sites na Internet e inclusive se encontra em alguns grupos e páginas de redes sociais. Ele foi inicialmente disponibilizado graças a um antigo heathen chamado Wagner Cruz que tinha um portal chamado O Troth que muito me ajudou em minhas buscas e pesquisas quando levei meus estudos sobre a espiritualidade mais a sério junto com demais fontes da internet e listas de discussões do Yahoo. Esses conceitos que seguem são elementos que fazem parte do nosso ser junto ao universo da nossa espiritualidade e assim como os egípcios antigos que cultuavam vários deuses, podemos observar que o nosso corpo espiritual é multifacetado, havendo componentes que são oriundos de nós e outros que nos são herdados e por sua vez outros que deixaremos de herança, além do mais há também entidades que nos acompanham na complementação de nossa existência exercendo efeitos fundamentais para auxiliar a manter nossa contínua sobrevivência e evolução. Trata-se de um texto que considero importante e entendo que seja bom que venha a ser observado novamente.

Manterei o texto como na forma original sem adições minhas ou correções ortográficas no que tange a variação de palavras de língua estrangeira na intenção de que cada indivíduo busque uma pesquisa própria dos termos e que leve a questionamentos que possam evoluir seu entendimento do conteúdo. Nas próximas postagens, conforme minha disponibilidade, tentarei dedicar uma atenção a cada aspecto abordado dentro deste texto, separadamente ou conjuntamente. Boa leitura e espero que o que segue desperte uma maior curiosidade em vocês, Far Vel!

- Heiðið Hjarta.

Hamr – Mapeamento da Alma


A compreensão da alma consiste na fabulosa tarefa de auto desvendar você mesmo, para, então, olhar através dos véus ilusórios da realidade (o qual nossa alma, nosso ego, nosso pensamento sempre filtra e cria sua própria perspectiva de mundo). Além do sentido de espiritualidade que envolve a leitura e compreensão da alma, também podemos sintetizar através do estudo e da experimentação da retaliação (do separar de todas as partes da alma) da inexistente individualidade egoísta que comumente acreditamos possuir. Não somos centros de nada, nem somos como que deuses. Somos apenas uma manifestação da natureza, um feito da vontade do mundo em suprir suas próprias necessidades biológicas.

A alma nada mais é do que o somatório de atributos etéreos, físicos, dons, habilidades e outras características que às vezes são unicamente nossas e outras vezes são compartilhadas por nós com outros seres, etc.

Este mesmo estudo sobre as subdivisões do ser é fruto da reunião de conceitos aferidos por durante séculos pelos povos germânicos de grupos diversos. Se alguns chamavam a alma de Hamr (forma) ou se outro acreditava somente na Fylgja (acompanhante), para nós, pesquisadores religiosos, hoje, é indiferente, pois interessa-nos somente o objetivo e a síntese desse sistema. Através da analogia sistemática dos conceitos espirituais de diversas tribos germânicas podemos partir do pressuposto que existem diversos atributos que formam o que provavelmente acreditamos ser a alma, o espírito, consciência, inteligência ou como melhor aprouver.

Assim, interligando seus atributos como uma rede de elementos necessários entre si, tiramos em um resultado que é o que chamaremos (por um motivo de identificação cultural e religiosa) de Hamr, que segundo os germanos significava “forma”, e esses povos usavam o termo para se referir ao seu espírito.
   
A ideia de “nada” era incabível entre os nórdicos. Todo espaço era ocupado e não havia uma divisão entre o mundo dos vivos e o dos mortos, ou com qualquer outro mundo. Todos os mundos eram acessíveis de mútuo convívio. Nada de dimensões astrais ou planetas, etc. Nada disso. Os mortos conviviam no mesmo mundo que os vivos, às vezes iam para outros lugares mais longes como o Hel, Asgard, etc. A morte nunca era tida como uma aniquilação absoluta, mas sim como uma passagem: a consciência, a alma transcendia seu espaço físico e passava a ocupar um lugar de tutora do clã e auxiliar do mesmo. O renascimento poderia existir, bem como poderia não ocorrer dependendo de determinadas condições como vontade e outras imposições espirituais. O nome de um ancestral, quando perpetuado dentro da família, era tido como o renascimento daquele ancestral em um novo corpo, uma forma de chamar sua presença à vida novamente.

Usaremos nesse estudo de várias nomenclaturas e elementos diferentes que aparecem através dos mitos, sagas e outras referências históricas sobre as crenças espirituais dos povos nórdicos.

Hamr pode ser decomposta em oito essências principais (obviamente suas subdivisões são muitas). São elas AthemFerthFylgjaLikhMágnMódr e Önd. Descreverei eles abaixo:

1 – Athem – O corpo etéreo, nossa manifestação no mundo espiritual; é a forma e aparência fantasmagórica. É o nosso Athem que enviamos através das experiências mágicas, xamânicas, como o Seidr e o Spae; é também o Athem que vemos nas aparições, assim como é ele que se junta à Caçada Selvagem de Odin, depois de nossa morte, nos invernos. Quando morremos, o Athem é separado do corpo e aguarda a chegada da Caçada Selvagem (que o levará junto para as hostes de almas). Quando ele não se separa do nosso corpo, fica preso em Midgard por algum motivo, ele é chamado de Draukkar (que quer dizer “morto-vivo” ou “vampiro”, “zumbi”, etc.), uma vez que irá vagar preso neste mundo por motivos diversos, que podem variar da vingança até o desconhecimento da morte.
   
2 – Ferth – Mente. É um dos presentes dos deuses no ato da criação; significa “mente/razão”. É aquilo que rege as cabeça e tudo aquilo é regido por ela. Refere-se principalmente ao pensamento, à razão e à vontade. É onde ficam armazenados nossos pensamentos, nosso raciocínio, nossas experiências, nosso saber, nossa memória.  O Ferth divide-se em duas partes: Hügr e Münr.

2.1 – Hügr – Pensamento. É o intelecto ativo, a vontade, o pensamento. O Hügr é uma das mais fortes expressões da alma, pois ele é o pensamento ativo, nossa mente no volante das ações. Através do Hügr podemos ultrapassar fronteiras físicas ao desconhecido e, por isso mesmo, pelo poder que a compreensão pode gerar, ele nos conecta ao mundo. Todo o mundo está interligado através do Hügr, assim como todos os seres estão conectados através do Fjör. A crença pagã diz ainda que o próprio mundo possuía um espírito próprio, também chamado de Hügr. O Hügr pode ser compreendido se dividido em duas partes: Angit e Sefa.

2.1.1 – Angit – São seus sentidos e percepções. Os portais do corpo por onde entra a informação e por onde podemos perceber o mundo. Funcionam como um filtro de informações. Se eles não existissem, ficaríamos loucos com tanta informação que receberíamos e não conseguiríamos associá-las com destreza. A percepção se dá pelo cheiro, gosto, tato, visão e audição. É essa percepção a principal causa de nossa equivocada e individual percepção da realidade. Nunca perceberemos a realidade e a verdade, mas sim apenas uma parcela dela, ou seja, apenas aquilo que podemos conceber através do que conhecemos e dentro dos limites de nossas simples percepções.

2.1.2 – Sefa – É o raciocínio imediato, sagacidade. Depois que o Angit percebe o mundo, o Sefa é responsável por associar os pensamentos uns com outros e assim gerar a informação. É a percepção do mundo já realizado. Se, por exemplo, percebemos através do Angit que ao tomar água ela nos queima a boca, então é o Sefa que lhe diz que ela está quente, porque associa a informação da queimadura com a informação do calor, transformando assim tudo em um pensamento: “a água está quente, devo evitá-la”. O Sefa funcionará desde os níveis físicos mais simples até níveis efêmeros mais complexos, da consciência à incosciência.

2.2 – Münr – Memória. Pois se todo pensamento do Hügr precisa ser armazenado, então é no Münr que encontrará sua lotação. O Münr é compreendido melhor quando dividido em duas partes: Gemynd e Vítand.

2.2.1 – Gemynd – Memória Individual. É a memória de nossa própria vida, onde ficam guardados nossos próprios pensamentos, nosso passado, nossas lembranças e inclusive aquelas que esquecemos. Nada escapa à mente. É onde ficam armazenados nossos orlogs, e é por isso que o Münr sempre está associado ao Orthanc (que veremos logo adiante o que é). Enquanto o Gemynd é a memória individual de apenas esta existência e nascimento, o Orthanc recolhe as memórias e heranças de existências passadas, bem como o passado dos ancestrais.

2.2.2 – Vítand – Sabedoria. Através de nossas próprias experiências, deduzimos muitas coisas sobre a vida que nos ajuda a viver e a melhorar enquanto indivíduos. A reunião de todas as conclusões do Sefa fica armazenada na memória para se tornar Sabedoria. 
   
3 – Fylgja – Acompanhante. É a entidade guardiã de nosso clã, da família, de nós mesmos. Podemos tanto herdá-la, como adotá-la. Mas ninguém existe sem a Fylgja. Ela pode ser compreendida como nossos instintos mais selvagens e subconscientes. Em sua fúria e desejo por vida, a Fylgja usará de todos os artifícios para tentar perpetuar o clã e a família, como manda as leis da natureza (pois a Fylgja é a representação de toda a natureza dentro de apenas um ser) e também usará de sua desesperada vontade de viver para se focar em aspectos mundos inatos ao homem, como o desejo constante de sexo, o desconhecimento dos benefícios das virtudes ou a ira entorpecente. É independente de nossa vontade e ao mesmo tempo é o nosso reflexo selvagem. A Fylgja é movida por instintos que beiram a bestialidade (não é a toa que é representada por um aspecto animal ou por um humano em bestialidade). Se não controlada, moderada ou disciplinada, a Fylgja poderá tomar a frente da vontade do indivíduo, acarretando vícios para este e posteriormente a decadência do mesmo. O sexo será um desejo constante, da mesma maneira, uma vez que a Fylgja buscará incessantemente questões de sobrevivência em todos os aspectos da vida, colocando a paixão ardente acima da sanidade do próprio ser. O medo da morte lhe é desconhecido, pois não sabe o que é morrer, mas saberá instintivamente quando a morte se aproxima e irá associar isso com a dor, e por isso, na tentativa de afastar toda dor, ela lutará de todas as formas, inclusive criando ilusões sobre como o indivíduo perceberá a realidade (por beirar a bestialidade, deixar a Fylgja tomar a vontade significa se entregar à ignorância e ao sofrimento posterior). Sua tática de defesa sempre será a ira, a ignorância ou repúdio, que acontecerão através de “explosões”, buscando sempre romper com a harmonia que o homem construiu para sua alma. Esta é uma visão bastante pessimista da Fylgja, mas é o que ela nos representa em sua mais profunda intimidade. Os povos germânicos acreditavam que ela habitava a nossa sombra, e por isso nosso seguia ou nos guiava. Mas, nem de todo a Fylgja é algo ruim, uma vez que ela é responsável por estarmos aqui vivendo e nos ajudará em muitos momentos de dificuldade como uma forma de defesa, ataque ou cura imediata para questões diversas. Desde que controlada, a Fylgja será extremamente útil. Nos auxiliará em questões de magia, assim como também poderá nos ensinar a viver através de pequenas lições. Como um animal que habita nossa alma, devemos domá-la e saber como usar dela para o bem, ao invés de deixar que ela use-nos em prol de suas próprias necessidades naturais. Se deixarmos que isso ocorra, que ela nos tome a alma, então seremos apenas bestas às margens da sociedade ordinária. A Fylgja pode ser tanto representada visualmente como um animal de poder, como uma besta, como um ser humano tocado por bestialidade ou selvageria, ou mesmo poderá ser simbolizada por algum espírito antepassado. Para compreender a Fylgja melhor, podemos também dizer que ela está associada a outras três essências: Hamingja, Dísir e Aettarfylgja.

3.1 – Hamingja – Hamr + Fylgja. Forma acompanhante. É a fusão de nossa alma com nossa Fylgja. Usada em trabalhos xamânicos, é útil ao transe, permitindo que ela tome controle de uma parcela de nossa vontade, e assim possamos utilizar de seus atributos mágicos, como a cura, a visão, a viagem, a força, a ira, a rapidez, a lucidez, etc. É esta a forma que os Berserker ou Ulfedhnar usavam em batalha, mantendo uma parcela de seus espíritos sempre conectada com sua Fylgja. Esta crença de que saímos do corpo e que tomamos outras formas talvez remeta ao contato dos escandinavos com os lapões. Há menções de formas específicas além da Hamingja como o homem transformado em lobo (Hamrammr, Rammaukin, Eigi Einhamr).

3.2 – Dísir – Ancestrais Femininas. Dísir é o coro espiritual que assiste ao clã. São as ancestrais mulheres que morreram e agora regem pela sobrevivência e proteção das famílias, tribo, etc. Em geral, nos referimos a esses espíritos como Dísir, ou Idísir (singular Dís ou Idísa), mas elas podem assumir outros aspectos, em outros contextos. É dito que podem ser chamadas também de Walkyrjor (Valquírias) ou ainda de Norn (apesar de muitos defenderem que as Valquírias e as Nornes compunham um grupo diferenciado de divindades). São Walkyrjor quando devem reger assuntos de grande importância como a morte, a vitória na batalha e outros assuntos relacionados a Odin. E são chamadas de as três Norn quando precisam reger aspectos do destino, como os orlogs por exemplo. Mas esta é uma concepção individual de como encarar a existência das Dísir. Pessoalmente, eu encaro as Dísir, as Walkyrjor e as Nornor como corpos espirituais diferentes.

3.3 – Aettarfylgja – Familiar. É o espírito tutelar da família, aquele que é transmitido através do sangue, obrigatoriamente. Este não pode ser escolhido, uma vez que ele é herdado pela família, por seus ancestrais. Acompanhará a sucessão familiar e a protegerá contra seu extermínio. A Aettarfylgja é a uma Fylgja mais complexa com uma forma efêmera que pode se dividir em Fylgjas “menores” e individuais para cada pessoa do clã.

4 – Lá – Sangue. O Lá é o sangue, o calor humano, o veículo de vida e poder. Na mitologia escandinava é o presente de Lódur a Askr e Embla, o primeiro casal humano. É através do Lá que há a transmissão da vida, de poderes e de todo tipo de herança física e espiritual. Os orlogs são transmitidos através do sangue e são então chamados de Orthanc (herança). Quando o sacrifício é feito, é o Lá quem dá o poder para tornar a divindade forte (os sacrifícios eram feitos para louvar e fortalecer o poder de uma determinada divindade). O mesmo acontece com o talhar das runas com o próprio sangue, pois é ali que é transferido o seu poder para as runas e então elas ganham “vida”. O Lá pode ser decomposto em três partes: Ásdr, Fjör (Wyrd) e Orthanc.

4.1 – Ásdr – É o papiro secreto que a Norn Skuld vela, onde está escrito o dia do nascimento e o dia da morte de cada ser. O Ásdr está no sangue porque é lá que acontece toda troca de orlogs entre o ser e seu meio e assim que homens e mulheres podem aumentar ou encurtar seu tempo de vida em Midgard. O Ásdr não controla apenas o tempo que viveremos aqui, mas também pode controlar nossa qualidade de vida, uma vez que as Nornor (distribuindo os orlogs) podem alterar nossa configuração social de vida. É através do Ásdr que todos os orlogs fazem-se acontecer em nossa vida. No ásdr está escrito o dia do nascimento, da morte e a se vida será levada com qualidade ou com decadência.

4.2 – Fjör – ou Wyrd. Destino. O destino nunca é visto como algo fatídico, mas sim como algo previsível dadas certas condições passadas. Nosso Fjör segue uma direção já formulada por nossos ancestrais e também por nosso próprio passado. Nossas heranças como dons, talentos, bênçãos, maldições, qualidades, defeitos, e também nossas atitudes como desonras e glórias determinam como será o Fjör. Esse mesmo Fjör está em constante processo de adaptação à nossas possibilidades uma vez que ele é o gerador dos orlogs. Um orlog é uma conseqüência, uma reação natural do mundo contra qualquer ação. Toda ação possui uma reação, e essa reação é chamada de Orlog (é aquilo que o mundo nos devolve). A semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória. Os orlogs podem ser bons ou ruins e estamos constantemente recebendo-s o tempo todo. O Fjör é descrito nos mitos como um fio escarlate que a qualquer momento poderá ser rompido bastante que Skuld diga o dia da morte do homem. O destino é inexorável e não importa o caminho que tomamos, o que nos foi legado é nosso por direito, sem fuga.

4.3 – Orthanc – ou Ódal. Herança. Todos os orlogs e atributos de nossos antepassados, ancestrais e progenitores são passados ao nosso ser, pois não somos nós mesmos, somos apenas frutos da vontade alheia; somos a continuação dos antigos. Não escolhemos quem seremos, isto nos é imposto. Não escolhemos nascer humano, não escolhemos nosso nome, nem escolhemos nossa configuração biológica. Tampouco escolhemos nossa própria sorte de vida que iremos levar. Tudo é herdado. Se o ser humano existe é porque houve em algum momento uma vontade transcendental que desse tal impulso. E se possuímos nomes como Helga ou Erik é simplesmente porque nossos pais assim o desejaram. Igualmente, se somos saudáveis, ou doentes, se somos inteligentes ou tolos, se feios ou belos, se ricos ou pobres, é tudo uma questão de herança e destino (isso quer dizer independe de nossa vontade). Essa verdade sobre a realidade, de que recebemos uma complexa herança ao nascer é chamada de Orthanc. As glórias e maldições de nossos ancestrais também serão as nossas. Por isso a união familiar e o sentimento de fraternidade em um clã é tão importante para todos. Para ser compreendido em detalhes, o Orthanc precisa ser decomposto em seis partes: Orlog, Forlog, Mjovutdr, Auna, Gaefa e Afl Okkat.

4.3.1 – Orlog – Sob a Lei. Lei fixada nas origens. Esta lei é herdada por todos os seres e ela diz que toda ação terá uma reação. Toda destino retorna a sua origem. Esta é a lei básica dos mundos, a que nada escapa. Cada ação passada é responsável é originária de um orlog, uma conseqüência arbitrária e ordinária.

4.3.2 – Forlog – Lei fixada no avanço. Na tentativa de alterar nosso Ásdr, de melhorar nosso Fjör, podemos lutar contra o orlog e alterar nosso destino. O Forlog então é a força que geramos para mover nosso destino em outra direção diferente daquela que nos é herdada. Algumas ações excepcionais podem gerar Forlogs.

4.3.3 – Mjovutdr – Destino que está fixado desde as origens. O Mjovutdr é fardo da família. Aquilo que, desde a sua origem, as pessoas estão fadadas a carregar consigo por todas as gerações, aquilo que é imutável, como fato de sermos humanos, ou o fato de termos determinadas doenças, ou de que por toda uma geração muitos nasceram gênios, etc. É difícil decifrar o Mjovutdr, pois somente um ancião que conheça bem o Orthanc da família poderia enunciar o que faz parte ou não do Mjovutdr. O Mjovutdr pode ser composto por alguns Gaefas (ver a frente).

4.3.4 – Auna – Destino como concessão feita pelos Deuses. A vontade dos deuses é suprema e assim como transformaram árvores em seres humanos, também podem nos aniquilar. É dito que os deuses também são regidos pelas mesmas leis de destino que somos, mas são interminavelmente mais poderosos que a nossa vontade. Apesar dos deuses não interferirem na vontade dos homens, alguns deles podem ceder ao capricho e alterar a natureza das coisas. Ou ainda podem fomentar um destino completamente diferente daquele que o Fjör pretende formar, independente de como é o Orthanc. Mesmo que não faça parte do Orthanc de uma pessoa ela ter nascido como o dom para a arte, ali houve uma vontade extraordinária que alterou a predisposição das coisas, concedendo assim um Auna.

4.3.5 – Gaefa – Presente. O Gaefa é ligado ao ser durante o nascimento, pois é ali que as Dísir, ou Norn, presenteiam o novo ser com seus talentos, dons e atributos. Um Gaefa é sempre especial e todo ser possui pelo menos um. O Gaefa não poderá ser diferente daquele de sua família, mesmo que destacado, a não ser que haja um Auna contra isso. Pode ser considerado um Gaefa a beleza, a saúde, a força, a inteligência, o talento para a arte, a perícia com as mãos, etc (também há Gaefa de cunho mágico). O Gaefa se confunde com o Mjovutdr por serem ambos heranças ancestrais. Para desmistificar isso podemos dizer que os Gaefas são partes menores do Mjovutdr, se este último pudesse ser decomposto.

4.3.6 – Afl Okkat – Nossa força. É o somatório das glórias conquistadas por uma família, tribo ou clã que juntos se transformam em força efêmera e propiciam a sorte, a prosperidade e a vitória em muitas questões da vida, inclusive garantindo a imortalidade da alma entre os heróis. Esse dote faz parte do Orthanc porque é uma herança dos ancestrais a todas suas gerações. Todo membro de um clã sempre contribui para fortalecer ou enfraquecer o Aett Afl Okkat (A força do clã).

5 – Likh – Corpo. Obviamente é o corpo que faz parte da Hamr e não o contrário, uma vez que somos a forma pensada pela vontade dos deuses. O Likh é a configuração física, corporal que assumimos para que a Hamr possa habitar. A saúde do Likh é de suma importância para o bem estar da Hamr. Está unido à Hamr através do Mágn.

6 – Mágn – ou Meginn. Força, Poder. Está relacionado à saúde, e a força física. É o Mágn que mantém a alma presa ao Likh e a mantém ali longe do perecimento. Se ele pudesse ser visto seria brilhante e ardente como o fogo, semelhante à “aura” que os orientais pregam.

7 – Módr – ou Máttr. Bravura, Coragem. O Módr é uma emoção adormecida que em certas horas de descontrole, ira, ódio, loucura ou paixão desperta elevando o ser acima de sua própria capacidade. Poderíamos dizer que o Módr eleva o nível de adrenalina no corpo de tal maneira que superaríamos nossa própria capacidade de força. Por isso tal bravura, pode ser literalmente traduzida como “ira”. Nas Eddas dize-se que quando Thor lutou contra a serpente de Midgard, ele invocou o seu Jöttunmódr (Ira de Gigante ou Bravura de Gigante) para poder elevar a gigantesca serpente acima de si, conjurando para si sua herança jottun por parte de mãe.
     
8 – Önd/Od – Respiração/Inspiração Divina. Em uma das Eddas, Önd é um dos presentes dos deuses, o que foi ofertado por Odin ao primeiro casal de humanos. Através da respiração concebemos a vida e sem ela não vivemos. Através da respiração nos comunicamos também como o mundo exterior, uma vez que inalamos coisas para dentro de si. Pode ser dito que o önd é o sopro divino, a última parte da alma e o elemento necessário para que haja vida. É o önd que nos diferencia dos seres mortos, dos fantasmas, etc. Quando o önd se desfaz, nós morremos. Por ser a respiração o ato de atrair para dentro de nós a força dos deuses é dita ainda que é a inspiração divina (Od). Em outra Edda ela é chamada de Od, uma força soprada por Ódin aos homens, que lhes dá atributos extraordinários para o hedonismo e o prazer, como a poesia, a música, a paixão, a ira, a risada, etc. O Önd/Od é a parte mais complexa de se compreender por ser um atributo ao mesmo tempo efêmero (inspiração divina) e físico (respiração). Diz-se que o Od permeia todas as coisas e podemos respirá-los quando bem quisermos desde que tenhamos consciência disso.

  
Juntamente com nossa Hamr também anda, lado a lado, o Frith que é a paz, mas não a paz no sentido da guerra, mas sim a paz no sentido da ordem, da felicidade, da tranqüilidade, do bem-estar do kindred. Talvez este seja nosso objetivo consciente em vida, atingir o Frith. A meu ver não há outro sentido senão buscarmos o Frith e estarmos satisfeitos com nosso Ásdr. Frith e Ásdr são como irmãos.
  
Existem três fontes que geram friths, e são elas: Kenship (parentesco), Healldream (“alegrias do salão”, que são os atos de lealdade, entre duas partes) e Frithyards (que é o relacionamento do humano com suas divindades). O relacionamento social entre os seres humanos é a principal fonte de Frith, mas não a única. A individualidade e a solidão também sabem mostrar o Frith através da temperança e da disciplina.
  
O Kenship, é a principal fonte de Frith, nossa família, nosso clã, nosso irmãos, pais, avós, primos, esposas e maridos, o Sippa em si, são as coisas mais importantes em vida para nós e por isso precisamos estar em paz com eles, protegê-los, guiá-los no Ritta (Lei Cósmica) e assim alcançar a felicidade e a paz. Sippa é a principal fonte de Frith, que é a família. Ritta é a lei cósmica do universo que fala como devemos perceber a realidade como apenas um ponto de vista e sobre nossa condição humana de lutar contra o sofrimento.

O Healldream se refere aos atos de lealdade entre um líder e seu povo, entre um mentor e um aprendiz, entre um senhor e seu servo, entre um vassalo e um suserano, entre um Jarl e um Karl, entre um amante e sua parceira(o). A lealdade garante a amizade, a confiança, a honra, a bravura e por isso faz aumentar nosso Ásdr, e logo gera Frith.

E finalmente o Frithyards que se refere ao relacionamento que uma pessoa têm com os seres divinos e vice-versa. Crer e cultuar uma divindade traz paz, segurança e respostas para perguntas universalmente questionáveis, e as divindades se agradam disso provendo fartura, fertilidade e paz, o que também é fonte de Frith.

- Texto original de Wagner Cruz disponibilizado no antigo portal O Troth.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Mas aonde você quer chegar?

Bom dia nobres leitores. No último texto fizemos uma breve análise sobre quem foi e quem é Óðinn observando as suas mudanças e as características da sua evolução dessas mudanças no decorrer da sua participação junto aos Æsir, e claro quem ele será não cabe a nós, mas somente a ele e ao destino decidir. Refletindo sobre sua trajetória o observo como um bom exemplo do caminho que percorremos, sobre quem fomos, quem somos, quem queremos ser e quem de fato seremos, dentro e fora da nossa espiritualidade, seja em um dos vários desmembramentos religiosos desta espiritualidade ou em nenhum deles. Então ainda que de heathen para heathen, de família para família e de kindred para kindred as prioridades sejam diferentes, uma coisa todos temos em comum, um ciclo de anseios marcados por objetivos a seguir, um começo, um meio e um fim, tal como na natureza que nos cerca não somos diferentes.

Em nossa natureza é comum desejarmos a busca por prosperidade continuamente em nossas vidas e por isso temos a necessidade de pontuar objetivos, entender que haverá obstáculos entre eles e ao alcançarmos encontramo-nos em um estado de espírito, mesmo que breve, de alegria pelo sucesso obtido, claro quando dá tudo certo. Porém por vezes nos vemos diante de certos desafios que nos impedem de agir, ou que a princípio pelo espanto do inesperado acreditamos ser impossível ou inviável de seguir em frente, nos fazendo cair num conformismo derrotista e enchendo o venenoso copo do ceticismo dia após dia.

Por vezes você entenderá que é maçante e difícil estudar esse ou aquele tema, que ter acesso a esse ou aquele livro pode parecer difícil, que a opinião descabida desse ou daquele heathen pode parecer a maioria te desmotivando pois você não quer ser esta maioria, que este ou aquele trabalho que você acredita acrescentar na espiritualidade recebe críticas nada construtivas ou tentam ainda sabotar ou mesmo ofuscar seu esforço, isso quando você não é mal interpretado. A impressão num desespero final chega a ser que esta ou aquela, se não todas as divindades te abandonaram, pois bem, não é por ai.

Nós sempre enfrentaremos adversidades enquanto vivos, e poucas pistas tenho de que novas adversidades não serão colocadas pelo destino ou resultadas por nossos atos ou de terceiros depois disso. E exatamente diante dessas adversidades que teremos que observar a situação atentamente e encontrar nesse labirinto o nosso caminho rumo a saída que é a solução. São em momentos de crise, pessoal ou não, que nós temos de observar o por que tal situação está ocorrendo, principalmente se ela é recorrente em nossas vidas ou não, e o que deve ser feito para sanar esse problema, por vezes trata-se de algo simples e óbvio, mas por vezes parece ser necessário se afastar da situação e tomar par si um tempo para observar melhor os fatos.

Se afastar de uma leitura, de um trabalho, de um meio com opiniões estranhas a sua forma de pensar, nada disso está errado, não é desistir de uma guerra, ou deixar se vencer por um obstáculo, mas entender que você ainda não tem todos os elementos necessários para seguir em frente e alcançar seu objetivo, talvez uma leitura prévia de um texto ou um livro, analisar o público alvo do seu trabalho e a divulgação dele, ou ainda buscar observar o comportamento de outros heathens que não tem as opiniões que te desagradam, seriam ótimas formas de te incentivar e fazer você reconhecer que não se trata de um problema sem solução, ou que as divindades se afastaram de você. Agora se ao se deparar com essa situação você optar pelo desânimo, então você escolheu a derrota, você se afastou as divindades e você deixa um obstáculo e amarga a sua tristeza por escolha própria.

Muitos heathens se desmotivam em algum momento de sua trilha, isso culminando até em alguns casos no abandono da fé ou se tornando mero participante nominal por um simples motivo, falta de um objetivo. Sem adversidade não há superação e sem superação não há vitória e sem vitória não há progresso. Essa cômoda estagnação na fé com o tempo vai te desgastar e fará você abandoná-la, não se trata de sempre ter uma nova meta, você não tem que mudar o mundo (nada de errado também se assim o quiser), talvez manter uma meta seja já algo bom o suficiente como por exemplo sempre executar os seus sacrifícios no tempo certo/possível sem deixar de fazê-los, sempre ter uma leitura em andamento, sempre estar trocando informações com os mais novos, ou buscando elas com os mais velhos no caminho.

Quando um kindred por exemplo não tem um objetivo definido eles deixam de olhar para o horizonte e começam a olhar para os lados, as imperfeições que antes não incomodavam começam a ganhar destaque uns nos outros e os indivíduos que antes trabalhavam em prol de uma harmonia coletiva, agora se vêem vítimas de constantes julgamentos uns dos outros, coisas que estavam longe de ser uma prioridade ou coisas que as vezes compete apenas ao indivíduo resolver, tudo isso ocorrendo por qual motivo? Falta de um objetivo.

Então entenda que um barco perdido sem rumo no oceano do acaso está vulnerável a toda sorte no mar da vida e o marinheiro não pode reclamar se está muito tempo sem ver terra firme ou se vive em constantes tempestades, os Æsir nada tem a ver com isso. É ter coragem e sabedoria para enfrentar o mal tempo e depois aproveitar os bons ventos. Não podemos ganhar todas as brigas, mas se nos conhecermos bem, saberemos quais podemos comprar, e aquela briga que antes era impossível agora só é um pequeno contra tempo, pois você cresceu e se tornou maior que tudo isso.

Nossa fé depende basicamente de nós, da nossa vontade de nos conhecermos, de aceitarmos que precisamos mudar e que vamos mudar, de nos ajudar na medida em que podemos fazendo aquilo que sabemos ou podemos para ajudar uns aos outros, saber observar as maçãs podres que podem estragar todo o resto e por fim lembrar que para que haja uma próxima colheita, temos que plantar agora, nosso trabalho é para as gerações futuras que um dia serão gratas a nós, como nós somos gratos a alguém, espero que tenha sido uma boa reflexão e uma boa leitura e isso tenha te ajudado de alguma forma. Mãos a obra, bom fim de semana, até semana que vem e Far Vel!

- Heiðið Hjarta.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Óðinn - Sobre loucura e lucidez. (Revisado)

Boa tarde nobres leitores, hoje seguirei com a revisão dos antigos textos que havia publicado no finado Perturbardo (um minuto de silêncio), assim como tudo na vida, até a informação muda e o que se tem por verdade também. A medida que se caminha numa trilha seu horizonte se amplia e normalmente as opiniões de ontem não serão mais as de hoje, que também podem vir a se aprimorar amanhã, então fazer uma revisão do que se tinha por certo a anos atrás é necessário, seguiremos com as divindades e agora vamos falar, da melhor forma possível mas nunca esgotando o tema principalmente sendo ele, do irmão de Loki, ou do pai de todos Óðinn.

A princípio vamos apontar basicamente as suas principais características. Ele é descendente de Buri que não é um Jötunn, e tem como pai Borr e como mãe Bestla, essa que por sinal é filha do gigante Bölþorn, logo fruto do primeiro caso relatado de miscigenação (segura essa puro sangue). Sua primeira participação nos mitos do universo nórdico é como um guerreiro travando a primeira batalha que resulta na destruição do gigante primordial Ymir, auxiliado por seus irmãos Vili e Vé, fazendo da carcaça do gigante o mundo de Midgarðr para a humanidade e dos vermes que saiam de seu cadáver os deuses deram origem aos anões que habitam as rochas bem como a terra (acredito que esse ponto possa ser a chave para a interpretação da origem de anões e elfos também, uma vez que os deuses em Ýdalir dão a Freyr o domínio sobre Álfheim, como posso te dar lago que não está sob minha posse ou que eu não tenha feito? Mas isso é apenas uma posição pessoal, falaremos disso em outra oportunidade) voltando ao assunto Óðinn

Temos Asagrim como o chefe tribal em Ásgarðr na posição de líder dos Æsir, Junto de seus irmãos Hœnir e Lóðurr (por vezes mencionados como Vili e Vé) o Aldaföðr protagoniza a criação da humanidade através de Askr e Embla, o que justifica a figura de pai de todos nós. Além da extensa relação de filhos que tem, sendo eles basicamente no atual senso comum Bragi, Baldr, Höðr, Víðarr, Váli, Hermóðr e Þórr. 

Engraçado reparar que enquanto Freyr sendo um deus da fertilidade não têm filhos, Alföðr teria de no mínimo sete filhos até a uma lista bem mais extensa, como por exemplo no caso dos fundadores das dinastias que dão origem aos líderes tribais e consequentemente as casas reais, fora as paternidades contestadas como é o caso do corajoso Týr que sabemos ser filho do jötunn não tão corajoso assim Hymir, ou mesmo de Yngvi-Freyr que sabemos ser filho de Njörðr. Resumindo ele é o Gengis Khan dos deuses ou o Mr. Catra de Ásgarðr, caso você infelizmente não conheça o Gengis Khan.

Como uma divindade de guerras, vitórias e conquistas, Sigtýr, entra em guerra com os Vanir após Gullveig ser queimada três vezes por adentrar o salão dos Aesir, esta guerra se resolve num armistício com uma troca de reféns que por fim culmina na conclusão das divindades que habitam Ásgarðr e solidificam o panteão nórdico. Como líder guerreiro era comumente invocado para se ter vitória nas batalhas e seu papel de trazer a vitória com algum custo permanece o mesmo até hoje, sendo o domínio de Valtýr sobre a morte (afinal guerras levam a elas) evidente através dos seus guerreiros de elite Einherjar e através das Valkyrjur que escolhem entre os mortos quem serão estes guerreiros que vão habitar o tão desejado salão Valhöll, além dele próprio ter determinado para Hel a filha de Loki um lugar de mesmo nome e também de ser o líder da Caçada Selvagem.

Como uma divindade que se transforma ao longo do seu percurso, Hangatýr morre como guerreiro para renascer como sábio ao sacrificar a si mesmo, na busca pela sabedoria das runas, seu conhecimento de necromancia também permite que adquira informações sobre o futuro com uma Völva e que permita que a cabeça de Mímir possa dar a ele parte da sabedoria que precisa, outra parte vêm de seus fies corvos Huginn e Muninn que fazer as vezes respectivamente de pensamento e memória, uma vez que ele não pode estar em todos os lugares, mas busca saber do que ocorre nos nove reinos. 

Também do seu trono Hliðskjálf ele avista os nove reinos e assim sabe para onde ir e o que procurar, interessante que esse comportamento de Fjölnir ao sentar em um lugar alto para buscar ver locais distantes nos remete a práticas de Seiðr que ele teria aprendido com Freyja, conforme o próprio Loki delata. Entre os demais companheiros dele estão os lobos Geri e Freki, respectivamente que fazem a vez de consumir tudo aquilo que poderia ser alvo do desejo mas não necessariamente da prioridade de Óðinn, mesmo por este não se alimentar mais de comida que deixa para os seus lobos, mas vive de vinho conforme relatado no Gylfaginning, logo o vinho provavelmente seria a bebida mais adequada para ele em um Blót. Por fim Reiðartýr na figura de psicopompo temos ele cavalgando Sleipnir o filho de oito patas de Loki através dos nove mundos para buscar os mais variados objetivos, mesmo com toda a sua sabedoria, um deus muito mais de ação do que de palavras.

Falando em ação Váfuðr em muitas histórias é relatado como um andarilho, algumas vezes na companhia de Hœnir e Loki, outras vezes só, histórias interessantes que costumam trazer proveito para si de alguma forma, destas a busca pelo Hidromel da Poesia que pertencia ao jötunn Suttungr, mas graças a sua engenhosidade, traço marcante do comportamento de Grímnir (seja através de seus disfarces ou da forma como trai a confiança dos desavisados), ele consegue trazer a bebida para os deuses e para a humanidade me forma de poesia. Apesar de seu filho Bragi, Sviðurr é de uma sabedoria ímpar e não é muito difícil imaginar que Skalds e Líderes da nobreza busquem uma identidade maior com esta divindade que detêm em suas mãos a guerra e a morte, a realeza e os enforcados, as runas e a magia, a loucura e a poesia.

Ele começa as guerras que outros vão lutar e leva a vitória sem se expor a própria morte, ele deixa alguém tomar conta dos mortos, mas sempre participa da Caçada Selvagem, ele é um pai, mas está longe de ser caridoso e amável, mesmo sendo o pai de todos. Ele é um líder, entretanto sabe se mostrar humilde quando precisa de algum conhecimento que só outra pessoa pode conceder a ele. Ele da à vitória assim como tira a vida dos que ganharam batalhas em nome dele, ele é o deus dos nobres, mas nem só de nobres é feito seu eterno exército, ele é um guerreiro e um diplomata, um líder e um pária, ele é honrado e é traiçoeiro, um xamã revelador de verdades que se oculta em inúmeros disfarces, detentor de muitos nomes. Ele é Óðinn...

Espero que tenham aproveitado e que ajude em possíveis buscas pessoais num melhor entendimento das facetas desta complexa divindade, deixei vários nomes para que possam estudar melhor os vários lados que este Æsir apresenta, alguém que está longe de ser definitivamente resumido em qualquer postagem. Espero que todos tenham uma boa semana e até semana que vem. Far Vel!

- Heiðið Hjarta.

sexta-feira, 4 de março de 2016

As Guerras de Midgarðr.

Bom dia nobre visitante, seguindo para a oitava postagem, dessa vez sairemos um pouco do acadêmico, mas retornaremos a ele ao final da postagem, vamos falar do cotidiano. 

Dado a um evento recente, mas diria nada inovador se não apenas recorrente, e dado o direcionamento que parte do heathenismo/paganismo tem seguido ao redor do mundo, farei uma reflexão sobre nossa senda espiritual e nossa atitude em relação aos demais caminhos que nãos nos pertencem ou que os mais sensatos não buscam trilhar. O texto não busca defender nenhuma orientação político-ideológica, uma vez que nossa fé não está ligada as atuais correntes de pensamento políticos, filosóficos e econômicos que compõem esse mundo pós-moderno e seus frágeis valores. 

O evento se refere a um boletim dominical de um Reverendo de uma Igreja Presbiteriana de culto do município de Barra do Piraí no estado do Rio de Janeiro – vulgo terra do biscoito, abraços aos amigos fluminenses e cariocas, além de um alerta aos grupos de patrulha xenófobos e racistas que vêm crescendo na Europa como o mais famoso Filhos de Odin (por qual motivo eles insistem em colocar chifres nos elmos?).

Batalhas em nossa fé existem desde a criação do mundo através da morte de Ymir até o último sopro de vida do último de nós ao deixarmos Midgarðr, conforme conta as bases de um eventual Ragnarök. Temos em nossa crença exemplos claros de conflitos entre clãs como a guerra Æsir-Vanir e a nada pacífica relação constante com os Jötnar, bem como também entre as mais diversas divindades, além da própria história dos povos que nos legaram essa crença espiritual, desde sua chegada nas terras da Europa, enfrentando a exemplo Celtas e o Império Romano, até as batalhas contra a cristianização da Escandinávia contra Olaf, o Gordo (Óláfr Tryggvason). Enfim uma continua história de longos tempos de guerra e curtos tempos de paz.

Atualmente vivemos num mundo onde os conflitos políticos, religiosos e comerciais fomentam constantemente a desgraça e a alienação, fazendo com que poucos prosperem, muitos cobicem e alguns oportunistas lucrem com esse abismo entre o que é desejado e o que é necessário. Por fim vivemos em uma sociedade em que o descontentamento é crescente e todas as partes que a compõem parecem não mais se suportar, estando num espectro geral com os nervos à flor da pele, tomando tudo por ofensa e condenando a atitude do próximo sem se quer saber quem é o próximo, se a atitude é real ou se quer qual foi sua motivação.

Logo com tal cenário nos rodeando, não seria sensato pedir a vocês que sejam pessoas pacifistas - Óðinn, Þórr, Týr e Freyja provavelmente pegariam meu couro e Loki não me ajudaria nessa - pois esse pacifismo além de não funcional a curto prazo e temeroso a longo prazo, não é algo para o qual nascemos. A vida é uma luta, no mínimo pela sobrevivência, por mais civilizado que seja o mundo, então no mínimo nascemos para lutar ao menos pelo nosso lugar no mundo. Logo a questão não é sobre não lutar, mas sim pelo que lutar e contra o que ou quem lutar.

“Com leis nossa terra deve ser construída e estabelecida, e com injustiça arruinada e devastada. (Njal's Saga, c.69)”

“Cada um é senhor de suas próprias palavras. (GS, C.19)”

Quando falamos sobre cometer equívocos e sobre a inevitável responsabilidade sobre os resultados desses equívocos, entendemos que é necessário punir aquele que perturbou a paz e a ordem em nosso meio. Não há perdão, o perdão é conviver com o peso do seu erro e através dessa reparação punitiva é que podemos tentar trazer novamente alguma paz ao ofendido em meio ao povo e dar a pessoa que cometeu o erro a chance de entender a gravidade de seus atos.

Entretanto as palavras de um representante de uma fé ou mesmo os preconceitos daquele indivíduo em relação aos demais que não fazem parte da sua fé, não pode ser pretexto para condenar o pensamento e o comportamento de todo um grupo. Assim como não atacamos roteiristas e fãs da Marvel por dar uma nova interpretação cultural das nossas divindades, ou aos Wiccanos por descaracterizarem algumas de nossas divindades através da sua forma de crer nelas através do seu dualismo Deus/Deusa, ou não condenamos a nós mesmos por infelizmente existirem neonazistas entre nós, não podemos condenar todos os cristãos pelo panfleto ofensivo deste ou daquele pastor, ele está vendendo o peixe dele para cristãos desinformados, não para você que está estudado, não se iguale.

“11. A mão que quer bater espera pouco. [1] (Njal's Saga, c.133)”

“18. As noites de sangue são as noites de maior impaciência. [3] (VGS, c.8) (VA, c.24)”

Muitas são as palavras de coragem em tempos de prosperidade, mas poucos são aqueles cujas ações correspondem às palavras corajosas em momentos de aflição.

Na era digital a informação é constante e dificilmente se tem tempo de avaliar a veracidade ou o conteúdo dela, quando há disposição para isso. Logo observadores superficiais se darão apenas ao trabalho de julgar o fato pelo seu ressumado título. Então está armado um tribunal virtual “muito elucidado” dos fatos, com todo o seu direito que têm herdado de eras de “nada” dizer se isso ou aquilo é errado e o que deveria ser feito. E ai morrem os fatos, muitos uivos, latidos e rosnados, nenhuma mordida. Incitar o ódio é gerar a ignorância e usar tal força para apenas julgar algo que é desconhecido é um desperdício de força sem tamanho, se acha que algo realmente está errado, resolva. Afinal assim como o pastor imoral que tenta converter o povo ao seu discurso sem sentir na necessidade de se prender as suas próprias palavras, tal ódio propagado entre os heathens é muita coragem quando não é necessário lidar com a adversidade de fato e menos ainda com as suas consequências.

“65. Não lute contra muitos. (VS, c.11)”

“66. Melhor lutar e cair do que viver sem esperança. (VS, c.12)”

Outro fato importante é que pela nossa religião estar sendo resgatada e reconstruída aos poucos há um tímido movimento em direção de integrá-la junto a sociedade, primeiro por não sermos adeptos do proselitismo e segundo por ser muito mais fácil e cômodo estudar, ler, debater do que colocar em prática tudo que é estudado, lido e debatido e não trazer esse conteúdo prático para o seu dia a dia na forma de atos e também para a junto da sociedade. Afinal parece que a boa e velha expressão “católico da boca pra fora” não é uma exclusividade dos católicos. Logo com uma casa ainda sendo arrumada, ainda desestruturada, desunida, sem o devido suporte aos que dela fazem parte, como reclamar algo contra alguém, como desejar guerra quando não se tem sequer um exército para lutar essa guerra? 

E necessário conviver com a realidade, fortalecer a nossa fé, aproximar os kindreds, dar apoio aos heathens que estão sem suporte, mas respeitar também aqueles que preferem a solidão, expor quem são os exotéricos mal intencionados que iludem as pessoas que buscam conhecimento e orientação espiritual, é necessário sempre estar alerta as pessoas e grupos que buscam distorcer o nosso caminho com seus ideais extremistas, segregacionistas e preconceituosos, como infelizmente tem ocorrido de maneira mais recorrente na Europa e nos EUA. É necessário dar a nossa fé um aspecto cultural visível em meio a sociedade e um aspecto unificado, é necessário essa união não só quando nos sentimos ofendidos, mas também quando precisamos ajudar uns dos outros, ninguém prospera sozinho. 

Nós temos mais de uma luta, devemos priorizar qual delas é mais importante para nós e para o nosso futuro e para o futuro dos que virão depois de nós. E por fim...

“230. O tolo se ocupa com as afazeres de todos menos com os seus próprios. (HS, c.14)”

Concluída essa reflexão, espero que tenha sido dado o recado. E aos que se preocupam demais conosco e que atrapalham nosso caminho, que não haja Friðr para eles e que Loki se divirta fazendo o caos na vida deles. Vamos fazer o que precisa ser feita, cada qual da melhor forma que souber fazê-lo.

As frases citadas nesta postagem fazem parte de uma coletânea de trechos de sabedoria inspiradas nas sagas islandesas.

O nome do texto é Sögumál e seu trabalho é atribuído a Álfta Óðinssen.

Aqui segue o Link direto de acesso ao texto (em inglês):


E aqui segue o site que é atribuída a fonte do texto rico em sagas e demais informações (em inglês):


Obrigado pelo seu tempo e interesse, façam bom proveito das reflexões de dos links. Tenham um ótimo fim de semana e até a próxima postagem. Far Vel!

- Heiðið Hjarta.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Minha liberdade ou meu destino? Sobre Ørlög, Wyrd e Orthanc.

Boa tarde caros visitantes, hoje vamos abordar um tema importante através de uma tradução de um texto sobre os conceitos de Wyrd e Ørlög. Através dele entenderemos melhor o quanto do que nos cerca e ocorre em nossas vidas é Destino e o quanto é nossa pura vontade e liberdade, assim você vai poder entender melhor questões sobre se tudo está pré-determinado ou não e o que pode ser feito sobre isso. Com esse esclarecimento, questões simples como: só por que eu estou sem guarda-chuva está chovendo ou os deuses quiseram assim até o destino dos nossos atos e quanto crédito você dará ao Ragnarök vão estar mais claros para você.

"Os conceitos de wyrd e orlog estão interconectados, mas às vezes podem se provar ser obstáculos na medida em que seus significados são aprendidos. No paganismo nós não temos nenhum conceito absoluto sobre o destino de alguém, ao invés disso nós temos uma noção de que nosso destino ou ruína é composto por escolhas e um determinado destino acontecerá, nós também temos a habilidade de fazer outras escolhas para potencialmente mudar este destino. Para entender como o wyrd e o orlog estão ligados vamos explorar os significados dessas palavras.

O Dicionário Conciso de Etimologia Barnhart (Nt. The Barnhart Concise Dictionary of Etymology) nos dá um esclarecimento, vindo do Inglês Antigo o termo wyrd deriva de um termo do Germânico Comum * wurđíz. Wyrd tem um cognato em Saxão Antigo wurd, no Alto-alemão antigo wurt, e no Nórdico Antigo urðr. A raiz Proto - Indo - Europeia é *wert- “virar, rodar”, no Germânico Comum *wirþ- com um significado de “A acontecer, tornar-se, a ser devido” (também em weorþ, a noção de mérito “Worth” ambos em sentido de “preço, valor, montante a ser pago” e “honra, dignidade, estima devida”).

Essa é uma resposta complexa eu sei, mas é para ilustrar que esta palavra é altamente cheia de nuances. De forma mais simples podemos definir como nosso conceito nativo de Destino, e a raiz da palavra é também de onde vem a Divindade Urd, ela é uma das Nornas cuja fonte Urdabrunnr rega a Árvore-Mundo Yggdrasil.

As tecelãs da teia, as Nornas, são os poderes aos quais todos os Deuses e Deusas recorrem por sabedoria; isso pode ser demonstrado etimologicamente. Paul Bauschatz expande sobre nossa compreensão em eu Well and Tree, onde ele descreve a origem do nome de Urðr, o verbo verda que significa “virar” não é apenas a fonte do Alemão werden, mas do Alto Germânico Médio wirtel “roda roca, spindel (fuso em alemão) também”. Tecelagem e fiação de matérias têxteis podem facilmente se tornar um microcosmo num grande macrocosmo da tecelagem a teia da existência.  John Lindow vê que as Nornas foram muito associadas com fiação e controle do destino de uma pessoa, e nós sabemos que Urðabrunnr (Fonte de Urðr), enraizada na Árvore-Mundo, era onde os Deuses tinham seu lugar de justiça. Nós vemos essa conexão com a justiça nas entrelinhas ainda, como as origens etimológicas para a palavra versus (como em casos legais) também deriva da mesma família de palavras (vertere, Proto-Indo-Europeu wert).

Christy Ward, influenciado por outros trabalhos acadêmicos, nos diz que Ørlög é literalmente “ur” significando antigo ou primordial, e “lög” é lei: ørlög é a lei de como as coisas vão vir a ser, ditada pelo wyrd ou Destino pelas três Nornas. As Nornas Urðr (Aquilo que é), Verðandi (Aquilo se torna) e Skuld (Aquilo que deve tornar-se) são a personificação do wyrd.

As Nornas nos dão nosso ørlög, (ou as leis e absolutos de nosso destino), tanto quanto elas em conjunção conosco tecem o wyrd que está se tornando. O absoluto de nosso destinos são esses itens que não podem ser mudados, como quem são nossos pais biológicos, a situação e circunstância na qual nascemos. O passado sempre influência nosso presente e nosso futuro. Pense nisso desta forma, nós sabemos que há certas leis científicas e princípios que afetam todas as coisas, tal como a gravidade.

A gravidade pode ser encarada como uma espécie de ørlög. Enquanto a gravidade pode ditar que nós humanos devemos permanecer na terra, através de nossa engenhosidade construímos aviões, naves espaciais, etc, que podem deixar a terra e até mesmo a atmosfera. Estes itens ainda são afetados pela gravidade é claro, e a gravidade sempre exerce sua força e presença. Similarmente, é como DNA. DNA pode ser o ørlög que nos é dado, nós podemos ser muito suscetíveis a certos tipos de doença, mas se alguém sabe da nossa inclinação genética e a vulnerabilidade e tomar os cuidados necessários na vida para tentar evitá-las é possível, de fato, impedir tais coisas.

Mas enquanto wyrd é o nosso conceito de destino, ele também está mudando e não é absoluto. Nós podemos receber o ørlög, e então a partir de nossas escolhas e ações, e as escolhas e ações daqueles que nos rodeiam, nós conjuntamente podemos “tecer” o que nosso wyrd será.

Para melhor entender como ørlög e o wyrd estão interconectados, vamos pensar nisso como a tecelagem de uma tapeçaria. Quando se tece uma tapeçaria ou tapete, há regulamente fios espaçados que fluem todos em uma única direção (esses são chamados de linhas de urdidura). Essas linhas sempre existem. Elas são a base da fundação, ou se você preferir as regras. Essas linhas, como o ørlög, não podem ser alteradas.

Para criar o Padrão, para tecer verdadeiramente, alguém então pega fios conhecidos como trama que vão em perpendicular a estes outros fios. É a manipulação destes fios através das linhas da urdidura que nos dão o padrão. Sua trama muda de cores? Quantas linhas de urdidura que os fios de trama passam por cima, antes de passa-los por baixo? Etc.

Portanto, mesmo com ocorre na analogia da tecelagem, o ørlög permanece a estrutura ou a urdidura, e então nossas ações, e todos os outros fatores representam a trama, e através da combinação desses fatores que a wyrd é tecida."

Sobre o conjunto de ørlögs herdados por um indivíduo, damos a isso o nome de Orthanc (herança), mas quem gosta de Tolkien também chama uma torre em Isengard pelo mesmo nome. O Orthanc é essa somatória de ørlögs e atributos herdados de nossos ancestrais. São os ørlögs que independem de nossas escolhas, se você é saudável ou não, rico ou não, onde nasceu, qual nome te foi dado, bênçãos e maldições sobre tua linhagem, desavenças familiares antigas que te afetem atualmente. Além claro do nome que J. R. R. Tolkien deu a uma torre em Isengard. Bom deixarei o link do conteúdo original que na postagem ficou em itálico, espero que tenha sido uma leitura proveitosa e uma ótima semana. Far vel!

- Heiðið Hjarta

Texto original por: wyrddesigns.

Link da matéria: 

http://www.patheos.com/blogs/pantheon/2011/06/wyrd-designs-understanding-the-words-wyrd-and-orlog/

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Loki - Entre trapaças e tropeços (Revisado).

Bom dia nobres visitantes, dando início as revisões de meus próprios pensamentos e atualizando temas que foram há muito debatidos, começaremos por esta famigerada divindade, que alguns até a negam como tal, ele nomeia este blog e que muito me ensina neste caminho que trilho, falaremos de Loki. Uma figura que pode ser amada por alguns, vista como tudo que há de ruim entre os deuses por outros, como um herói ou um professor por uns, como um vilão ou um tolo por outros, como um ser sem sexo ou com todos os sexos e gostos sexuais possíveis por outros, agradando ou não duas coisas ele não é e nunca será, alguém que não seja digno de nota e irmão de Þórr.

Inicialmente devemos observar a natureza de Loki e isso nos ajudará a compreender muito de seu comportamento. Os Jötnar são desde o princípio da cosmogonia nórdica as forças antagônicas que impedem ou dificultam a imposição tanto da ordem quanto da prosperidade, porém através dos conflitos e das provações que as divindades de Ásgarðr passam, elas se aprimoram e também entendem as reais necessidades para o favorecimento desta ordem e prosperidade, desde a morte de Ymir, passando por apuros com Þjazi, Hrungnir, Þrymr e Útgarða-Loki apenas para citar alguns, porém sabemos bem que nem todos os Jötnar são inimigos dos Æsir, onde esta relação vai desde uma amizade até relacionamento que vem a misturar ambas as linhagens e podemos citar Skaði, Ægir, Járnsaxa, Gerðr e Jörð como exemplos claros.

Logo nada existe na natureza de Loki que o obrigue a ser um inimigo declarado dos Æsir, mesmo por eles deixarem que ele viva entre eles, assim como pouco o obriga a ser o mais confiável dos aliados e ai começamos a entender o ponto chave da natureza de Loki, que é estar fora do controle de qualquer Æsir, sendo tanto uma fonte de inúmeros problemas bem como de soluções para eles que tudo gostam de ter sob controle, pois são nas adversidades surgem as oportunidades para solucionar problemas e prosperar após suas resoluções.

Entendido isso buscamos através dos elementos que circundam Loki compreendê-lo melhor. Seu pai é Fárbauti "golpeador cruel" nome que indica uma natureza violenta de destrutiva típica de um Jötunn já sua mãe Laufey que tem o significado atribuído a folhas, mas também recebendo o nome de Nál significando espinho era tida como esguia e fraca, numa herança de elementos observamos que Loki apesar de aparentemente fraco e pequeno se comparado a outros Jötnar é um incômodo para muitas divindades e ele carrega em si, através de seus filhos com a giganta Angrboða sendo eles o lobo Fenrir, a senhora responsável pelo reino dos mortos que leva o mesmo nome Hel e a famosa serpente Jǫrmungandr o mesmo poder destrutivo que seu pai sugere. Ele também possui dois irmãos um chamado Helblindi, que por sinal é um dos nomes que se dá a Óðinn tanto no Gylfaginning quanto no Grímnismál além de Loki mesmo fala deste parentesco deles em Lokasenna, e outro irmão é chamado Býleistr e pouco se sabe dele. Entretanto é válido lembrar que das andanças de Óðinn pelo mundo quando acompanhado o costumava fazer na presença de Hœnir e Lóðurr e que foram estes três responsáveis pela criação da humanidade e não me resta dúvidas que Lóðurr e Loki são a mesma entidade, numa variação de nomes tais como Loptr ou o menos conhecido Hveðrungr.

Ele também se relaciona e nessa relação mantém uma estabilidade com Sigyn, com quem teve dois filhos Narfi e Váli, cujos quais não se descreve uma aparência inumana nos levando a entender que Sigyn não era uma giganta, quanto a sua natureza como uma Ásynjur (divindade feminina), ela é assim descrita por Snorri em uma adição tardia chamada Nafnaþulur que não faz parte das Eddas  que ele compilou originalmente no século XIII, porém ela também é mencionada, através de um kenning para se referir a Loki no poema Haustlöng do início do século X que narra os fatos do rapto de Iðunn e suas maçãs que garantem a juventude dos deuses, nos deixando uma lacuna sobre a natureza de Sigyn como uma Ásynjur. Fato interessante é que ao contrário de Loki, ela demonstra um comportamento de amor e lealdade, mesmo diante da maior adversidade de sua vida que é cuidar daquele que ela ama sendo aprisionado e torturado pela morte de Baldur até o dia do suposto Ragnarok.

Outra característica ímpar de Loki, mas ligada a sua natureza como Jötunn é a capacidade de usar de ilusionismo e se metamorfosear em outros seres podendo inclusive trocar seu gênero e gerar uma cria a partir desta mudança, como ocorre no caso de Sleipnir quando Loki se torna uma égua para atrair o cavalo Svaðilfari para atrasar a construção dos muros de Ásgarðr, fazendo com que o construtor dos muros perca a aposta e em sua ira se revelasse um Jötunn para finalmente ser morto. Entre as várias formas que Loki adota através das histórias estão a de mosca, pulga, salmão, foca e égua, e nos seus disfarces onde ele não esconde o rosto e claramente faz os observadores o terem como mulher, o que pode ser interpretado tanto como ilusionismo como uma troca de sexo, isso pode ser observado tanto na Þrymskviða onde Þórr ao se disfarçar de mulher encobre seu rosto, porém Loki não, sendo que o rosto de Loki jé é conhecido pelo gigante Þrym nesta história e o mesmo não reconhece Loki se passando por dama de honra que acompanha Þórr disfarçado de Freyja, também temos o caso de Þökk a giganta que não lamenta pela morte de Baldur, mantendo o assim morto no reino de Hel, logo sobre a possibilidade da transexualidade de Loki só não vê quem não quer.

Não apenas nas questões de gênero Loki mostra um comportamento que ignora regras e padrões como também na forma em que lida com os Æsir. Inúmeras as vezes em que Loki está na presença das divindades e causa problemas a elas as expondo a riscos apenas para posteriormente vir com soluções que trouxeram maiores benefícios a um cenário que antes não haviam tais vantagens. Resumidamente podemos citar com exemplos como dito anteriormente a construção dos muros de Ásgarðr e o presente que Óðinn acabou por receber sendo ele Sleipnir, de quando cortou os cabelos de Sif e da sua aposta com os anões filhos de Ivaldi o resultado não foi só o cabelo de ouro de Sif, mas também rendeu para Freyr o Gullinbursti um javali dourado de guerra capaz de andar sobre o ar e a água e brilhar em qualquer lugar sombrio como se fosse o  próprio dia além o barco Skíðblaðnir que cabem todos os deuses e suas armas sempre encontrando bons ventos e alcançando o seu destino, para Óðinn renderam o famoso anel de ouro Draupnir que pode se multiplicar bem como sua certeira lança Gungnir, por fim e provavelmente o mais importante essa aposta rendeu a Þórr o maior medo de todos os Jötnar, seu mortal martelo Mjölnir.

Loki também é responsável pelo resgate de Iðunn e suas maçãs para manter a imortalidade das divindades e da perseguição eles conseguem matar o gigante Þjazi que o forçou a sequestrar Iðunn, decorrente disto a giganta Skaði após ser recompensada pela morte de seu pai deixa de ser uma inimiga dos Æsir. Loki também engana Þjálfi irmão Roskva em uma viagem onde ambos os irmão recebem Loki e Þórr e ao estarem famintos o deus do trovão faz com que suas cabras sirvam de refeição e ele possa revivê-las no dia seguinte, orientado por Loki o jovem Þjálfi quebra o osso da perna de uma delas para chupar o tutano do osso e no dia seguinte a mesma revive manca e Þórr irado exige uma recompensa que acaba sendo o próprio garoto e sua irmã se tornando servos dele.

Se de fato podemos falar dos comportamentos destrutivos de Loki estes se representam quando o mesmo inveja Baldur e planeja a sua morte e após matar um servo de Ægir o anfitrião da festa e insultar e revelar muitos segredos dos deuses perante uns aos outros ele terá um filho transformado em lobo e o outro morto e com as tripas dele será acorrentado e com uma serpente que despeja um veneno doloroso em seu rosto torturado até ser liberto e se vingar dos Æsir no Ragnarökk. Fora este episódio temos também o caso em que Loki se transforma em uma pulga para roubar o famoso colar Brísingamen dela e ele é perseguido por Heindallr que busca reaver o colar e devolver para Freyja, nessa perseguição tanto Loki quanto Heindallr tomam a forma de foca e Loki acaba por perder a batalha e devolver o colar, criando uma animosidade entre ambos que só seria resolvida no Ragnarökk onde ambos se matam. Existe uma versão deste conto em que ele está realizando este furto sob ordem de Óðinn, entretanto esta versão chamada Sörla þáttr que foi compilada por dois padres cristãos porém a versão é obviamente alterada e não corresponde aos comportamentos divinos. Mas assim como aparentemente não faz sentido Loki cortar o cabelo de Sif não faria muito sentido ele ter posse do Brísingamen, então fica a dúvida das intenção do ato dele.

Feita essa extensa análise da participação de dos laços que ligam Loki ao universo das divindades vamos ponderar o que segue. Ainda que haja uma série de conceitos como honra, ser ou não ser louvável e algo que se aproxime de um padrão do certo e do errado na sociedade nórdica pré-cristã de fato não falaríamos em bem ou mal, valores que vieram a se infiltrar nos contos e nas próprias pessoas posteriormente com o contato crescente com a religiosidade cristã, nas quais Loki se enquadra perfeitamente como um "lúcifer nórdico" o antagonista perfeito. Entretanto Loki representa a mudança pois é ele quem a propõem mais avidamente indiferente da vontade das demais divindades, ele também promove a mudança na vida das pessoas indiferente da vontade delas, e uma coisa deve ser bem esclarecida, aqueles que se consideram seus filhos, ou seguidores, ou aliados, ou servos ou seja lá como eles se denominem, nenhum deles está livre do caos, da mudança e da atenção especial e indesejada que Loki pode colocar sobre eles.

Obviamente que aqueles que entendem o que Loki propõem sofrem menos, aprendem mais e aproveitam melhor e "ajudam em seu trabalho", fora isso como costumo dizer, rezar para um furacão não fará ele desviar de rota. A partir do momento em que o caos passa a favorecer este ao invés daquele, ele deixa de ser o caos, não é Loki que te favorece, é você que aproveita ou não as oportunidades em meio as adversidades e nessa hora a sagacidade daquele que se diz filho de Loki é o que vai contar, assim como não se fazem heróis ou sagas em tempos pacíficos. Então faz teu nome jovem.

Outra coisa não menos importante, quando você fala de um ser livre, caótico, egoísta, não espere muita atenção dele, muito menos ser um escolhido ou campeão dele, as motivações de Loki como pode se observar são extremamente mutáveis e mesmo quando os fatos se concluem, aos nossos olhos eles parecem conclusos quando ainda podem fazer só parte de um esquema maior, uma vez que nada é necessariamente linear no comportamento e no pensamento dele, então também fica a dica para os lokeanos de plantão, ter uma mente aberta as possibilidades e uma rápida capacidade de se adaptar as situações e as dificuldades é uma das marcas dele. Pessoas quadradas não fazem o perfil.

Por fim, existe uma diferença entre ser seguido e ser respeitado e Loki merece todo o nosso respeito.

Espero ter elucidado algumas questões sobre ele, posso escrever parágrafos e parágrafos sobre ele e mesmo assim jamais se esgotaria o assunto, pois delimitar o Caos é insanidade e lembre-se:

Não se importe com o que Loki pensa, pois ele pouco se importa com o que os outros pensam, inclusive você. Far vel!

- Heiðið Hjarta.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Sobre o Freyfaxi e Hrafnkell Freysgoði.

O conto que segue é uma sinopse de uma saga em 20 capítulos que sintetiza a história de Hrafnkell Freysgoði e de seu cavalo Freyfaxi. Esse texto não se resume apenas a origem do nome do Blót do Freyfaxi, ele também traz uma reflexão sobre juramentos, weregild (indenização), orlog, orthanc, busca por poder, fé, aguardar a ajuda dos deuses e a lealdade dos humanos.

Acredito ser um texto simples e básico mas com potencial de reflexão, façam bom proveito.

Hrafnkels saga

Nós sabemos que o homem norueguês Hallfreðr que se tornou um dos colonos originais da Islândia, desembarcou na costa oeste em torno do ano 900 com seu jovem filho Hrafnkell, um garoto promissor. Hrafnkell era ambicioso e cedo – com a permissão de seu pai – estabeleceu seu próprio assentamento. Ele escolheu um vale inabitado para sua fazenda e a nomeou de Aðalból (Nobre lar). O vale subsequentemente recebeu o nome de Hrafnkelsdalr (Vale de Hrafnkell).

Hrafnkell também erigiu um largo templo e executava cerimonias de sacrifício prodigiosas. Ele dedicou o seu melhor gado a sua divindade patrona Freyr, inclusive seu cavalo favorito, Freyfaxi. Ele jurou que mataria qualquer um que montasse Freyfaxi sem permissão. Por suas atividades religiosas Hrafnkell começou a ser conhecido como Freysgoði (Goði de Freyr).

Hrafnkell ansiava por poder e logo se estabeleceu como chefe por assédio moral as pessoas dos vales vizinhos. Ele tinha uma propensão para duelos e nunca pagava weregild (indenização) por quem ele matasse.

Agora a saga introduz Einarr, um pastor de Hrafnkell. Em uma ocasião Einarr precisa cavalgar para executar seu dever, mas todos os cavalos dos quais ele se aproximava corriam dele exceto Freyfaxi. Ele então pega o Freyfaxi e o cavalga por um dia. Mas depois que o cavalo foi cavalgado, ele corre para Aðalból e o anoitecer chega. Ao ver seu cavalo sujo e molhado de suor, Hrafnkell entende o que ocorreu. Ele sai pela noite com seu machado e relutantemente mata Einarr para manter seu juramento.
O pai de Einnar, Þorbjörn, toma conhecimento da morte de seu filho e vai até Hrafnkell para pegar seu weregild. Hrafnkell diz a ele que não paga weregild a nenhum homem. Ele pensa, entretanto, que aquele assassinato está entre os piores que já fez e se prepara para fazer alguns reparos. Ele faz uma oferta aparentemente favorável para Þorbjörn de cuidar dele pelo resto de seus dias.

Þorbjörn, entretanto, quer nada menos que um acordo formal entre eles como iguais. Sob a rejeição de Hrafnkell, Þorbjörn começa a procurar por formas de alcançar a satisfação do seu desejo. As leis da Comonwealth Islandesa garantem que todos os homens livres têm os mesmo direitos – mas como não havia um poder central, um homem comum teria dificuldade em processar um chefe como Hrafnkell. Ele geralmente precisaria do suporte de outro chefe, tanto para a manobra legal complexa, muitas vezes necessária, e se bem sucedida na þing, para posteriormente fazer respeitar a decisão lá tomada.

Þorbjörn tenta ter suporte de seu irmão Bjarni, mas ele não deseja estar envolvido em qualquer conflito com o poderoso Hrafnkell. Þorbjörn vai em busca então do filho de Bjarni, Sámr. Ele, entretanto, adverte inicialmente para que Þorbjörn aceite a proposta de Hrafnkell, mas Þorbjörn se mantem firme. Sámr não tem desejo em entrar em conflito, mas após seu tio ficar deprimido ele relutantemente concorda. Sámr formalmente aceita o caso de Þorbjörn então ele se torna efetivamente o Demandante.

Sámr começa a preparar o caso contra Hrafnkell e o convoca para o Alþingi do próximo verão. Hrafnkell respeita a tentativa como risível. Quando Sámr e Þorbjörn chegam a assembleia em Þingvellir eles rapidamente descobrem que o maior dos chefes deseja ajuda-los. O deprimido Þorbjörn agora quer desistir, mas Sámr insiste que eles devem seguir não havendo outra opção.

Por uma coincidência Sámr e Þorbjörn encontram Þorkell, um jovem aventureiro de Vestfirðir (Fiordes do Oeste). Ele simpatiza com a causa deles e ajuda os a conseguir o suporte de seu irmão Þorgeirr, um poderoso chefe. Com o suporte de Þorgeirr Sámr dá procedência completa a causa. A lei tem Hrafnkell por culpado, e ele cavalga para seu lar em Aðalból. Sámr agora tem o direito de matar Hrafnkell e confiscar sua propriedade. Em uma manhã, Sámr, auxiliado por Þorgeirr e Þorkell, chega em Aðalból, surpreendendo e capturando Hrafnkell enquanto ele dormia.

Sámr oferece a Hrafnkell duas opções: primeiro execução no local; ou segundo viver como subordinado de Sámr, desprovido de sua honra e da maior parte de sua propriedade. Hrafnkell escolhe viver. Þorkell adverte Sámr que ele irá se arrepender de poupar a vida de Hrafnkell.

Sámr então toma como sua moradia em Aðalból e convida os locais para um festejo. Eles concordam em aceita-lo como seu novo chefe. Hafrnkell faz para si mesmo uma nova casa em outro vale. Seu espírito e ambição permanecem intactos, e pouco depois de alguns anos de trabalho duro ele se estabelece novamente como um fazendeiro respeitado.

Þorkell e Þorgeirr decidem entregar Freyfaxi ao seu verdadeiro dono e o arremessam de um penhasco. Eles também ateiam fogo ao templo de Hrafnkell. Ao ouvir estes acontecimentos Hrafnkell diz: Eu acho tolice ter fé nos deuses, e ele nunca mas fez outro sacrifício. Seus métodos mudam e ele se torna muito mais gentil com seus subordinados. E desta maneira ele ganha lealdade e popularidade.

Após seis anos de paz, Hrafnkell decide que a hora da vingança chegou. Ele recebe notícias do irmão de Sámr, Eyvindr, está viajando perto com pouca companhia. Ele pega seus próprios homens e parte em ataque. Sámr toma notícia da batalha e imediatamente cavalga em direção ao conflito para ajudar seu irmão com um pequeno contingente. Eles chegam tarde demais.

Na manhã seguinte Hrafnkell surpreende Sámr quando o mesmo dormia e oferece a ele as mesmas opções que foram dadas a Hrafnkell seis anos antes, com nenhum weregild pela morte de Eyvindr. Como Hrafnkell, Sámr também escolhe viver. Hrafnkell toma novamente residência em Aðalból, sua antiga casa, e volta a ser o chefe local.

Sámr cavalga para o oeste e procura o auxílio de Þorkell e Þorgeirr, mas eles dizem que ele deve amaldiçoar a si mesmo por seu infortúnio. Ele deveria ter matado Hrafnkell quando teve a chance. Ele não iriam ajudar Sámr em outro derramamento de sangue com Hrafnkell mas oferecem a ele uma residência em suas terras. Ele recusa e cavalga de volta a sua casa. Sámr vive como subordinado de Hrafnkell pelo resto dos seus dias e nunca alcança sua vingança.

Hrafnkell por sua vez, vive como um respeitado líder até encontrar um fim tranquilo, Seus filhos se tornam chefes após sua morte.

- Tradução livre: Heiðið Hjarta.

Pois bem, esta como muitas outras sagas nos mostram como as coisas eram resolvidas, como os valores eram diferentes e como o mundo mudou. Eu me interessei em apresentar este resumo da saga pois traduzi-la por completo seria um trabalho muito elaborado e demandaria muito tempo onde poderia dar acesso a outros assuntos para vocês. De qualquer forma, não deixa de ser menos interessante e talvez desperte em você a vontade por traduzir esta saga ou conhecer outras, fica a sugestão. Aqui temos uma noção do quanto querer ser ambicioso sem repartir a prosperidade alcançada pode ser prejudicial para si. Alguém muito gordo não corre de muitos lobos sozinho. Espero que tenham aproveitado, tenham um bom feriado por aqui e que as suas celebrações de Freyfaxi tragam prosperidade e sejam proveitosas. Far vel!

“ᚠ Feoh byþ frofur fira gehwylcum;
sceal ðeah manna gehwylc miclun hyt dælan
gif he wile for drihtne domes hleotan.”
(Anglo-Saxão)

A riqueza é um conforto para todos os homens;
Apesar de que todo homem deva concedê-la livremente;
Se ele deseja ganhar honra aos olhos do senhor.

“ᚠ Fé vældr frænda róge;
føðesk ulfr í skóge.” 
(Norueguês Antigo)

A Riqueza é a fonte da discórdia entre parentes;
 o lobo vive na floresta.

“ᚠ Fé er frænda róg
ok flæðar viti
ok grafseiðs gata
aurum fylkir.” 
(Islandês Antigo)

A Riqueza é a fonte da discussão entre parentes;
o fogo do mar; e o caminho da serpente.